Paulo Moreira Leite
Diretor da Sucursal da ISTOÉ em Brasília, é autor de "A Outra História do Mensalão". Foi correspondente em Paris e Washington e ocupou postos de direção na VEJA e na Época. Também escreveu "A Mulher que Era o General da Casa".
Absolvido por quadrilha, ele assegurou pena em regime semiaberto mas justiça acaba de suspender seu direito ao trabalho
Ao anunciar, ontem, a decisão
de suspender o regime semiaberto de Delúbio Soares, o juiz Bruno Ribeiro
tomou uma decisão errada na hora errada.
O juiz Bruno foi escolhido a dedo por Joaquim Barbosa para cumprir o papel de guardião dos condenados da AP 470.
A medida foi
anunciada horas depois da derrota de Joaquim no Supremo Tribunal
Federal. Ao rejeitar a acusação por formação de quadrilha, os ministros
derrubaram qualquer hipótese de Delúbio e outros réus em situação
semelhante serem mantidos em regime fechado.
Mesmo assim, a medida está longe de ser uma surpresa.
Mostra que seguimos no país da novilíngua. (Você sabe: era este o idioma no país de 1984, aquele romance de George Orwell)
Num trabalho de
reconstituição difícil, pois o prisioneiro não dá entrevistas nem se
dispõe a conversar com jornalistas, é possível reconstituir episódios
ocorridos em dias anteriores.
Através de
advogados e autoridades penitenciárias, foi possível saber que, nas
últimas semanas, Delúbio recebeu vários sinais de que, cedo ou tarde,
poderia perder a liberdade recém conquistada.
Assim se informa
que, recentemente, Delúbio foi procurado por um dos responsáveis pelo
CPP, onde encontra-se recolhido desde que foi transferido para o
semiaberto. Nessa ocasião, lhe foi dito que não poderia permanecer na
ala do presídio reservada aos ex-policiais, onde fora instalado desde a
chegada.
Isso porque não era
ex-policial, o que poderia, como toda pessoa familiarizada com a
novilíngua da AP 470 já percebeu, ser definido como um “privilégio. “
Em função disso, a proposta era
que fosse transferido para o “fundão” do CPP, uma área aberta, com
centenas de prisioneiros, com menos controle e menor segurança – o que
explica porque ex-policiais não podem ficar ali. Por via das dúvidas,
queriam saber se ele estava disposto a assinar um documento,
declarando-se inteiramente convencido de que o novo local apresentava
boas condições de segurança.
Entendendo a mensagem novilíngua tão óbvia, Delúbio só prosseguiu a conversa na presença de um advogado.
O caso foi parar na
Secretaria de Administração Penitenciária, órgão do governo do Distrito
Federal, que, como o próprio nome diz, tem a responsabilidade legal
para definir o que se passa em presídios e centros de detenção. Num país
onde funciona a divisão entre poderes, sem novilíngua, a Justiça julga e
o Executivo, executa. Alguma dúvida?
A Secretaria tem a palavra
final sobre o destino de todos os prisioneiros, suas condições no
cárcere – que podem variar conforme o comportamento – e assim por
diante. A ideia de retirar Delúbio da ala onde se encontram
ex-policiais, como se pretendia no CPP, mas estava em desacordo com a
Secretaria, morreu ali.
O argumento é que locais
diferenciados costumam ser reservados a prisioneiros diferenciados, o
que inclui ex-policiais mas também os chamados presos de notoriedade.
Todos estão sob a guarda do Estado, que devem impedir que sejam alvo de
atos violentos por parte de outros condenados. Chantagens, sequestros de
familiares e outros episódios desse tipo são comuns e é natural que se
faça o possível para evita-los. Não é “privilégio”, George Orwell.
(O próprio Marcos Valério
chegou a ser torturado numa penitenciaria em São Paulo, onde ficou
detido por um episódio sem relação com a AP 470.)
As pressões
prosseguiram, para alimentar a narrativa novilíngua dos “privilégios “
dos prisioneiros da AP 470. Novilíngua mesmo.
Oito
“privilegiados” prisioneiros da AP 470 não só foram vítimas de uma
acusação indiscutivelmente errada, de formação de quadrilha, como
demonstrou o STF ontem, mas também receberam penas agravadas
artificialmente, em função de uma “discrepância “ provocada pelo
“impulso de superar a prescrição do crime de quadrilha e até de se
modificar o regime inicial de cumprimento das penas", como disse o
ministro Luiz Roberto Barroso, num voto corajoso e competente.
Olha só a novilíngua.
Sem as penas agravadas por essa
acusação errada e exagerada, condenados como Dirceu e Delúbio nunca
poderiam ter sido condenados a penas em regime fechado.
Não teria sido necessário
apresentar embargos infringentes – e lutar com bravura pelo simples
direito de recorrer a eles, numa votação apertada e dramática.
A novilíngua dos privilégios inclui a manutenção de José Dirceu por mais de 90 dias em regime fechado.
Como acontece com Delúbio, o
direito de Dirceu ao regime semiaberto estava fora de dúvida antes mesmo
da votação de ontem, e não foi questionado por um fiapo de prova
jurídica – apenas novilínguas acumuladas, insinuadas e nunca
sustentadas. O caso do telefone da Bahia foi esclarecido na medida em
que é possível esclarecer tantos episódios confusos, até porque
comprovou-se uma circunstancia impeditiva: naquele dia, o ex-ministro da
Casa Civil não saiu de sua cela.
Mas o ministério público do DF
alega que se fez uma investigação “atípica” para apurar o caso e pede
novos esclarecimentos. Depois de muitos outros, este é o argumento
jurídico que mantém Dirceu atrás das grades.
O argumento político você sabe.
Em nossa novilíngua, o Direito se inverte. Em dúvida, decide-se contra o réu. É o que acontece com Dirceu e também com Delúbio.
Ao “suspender
temporariamente” um direito inquestionável, , o juiz Bruno Ribeiro
avança por um atalho que lhe permite punir o prisioneiro sem a
necessidade de provar que ele fez alguma coisa errada.
Segundo a Folha,
Bruno Ribeiro alega que é preciso “investigar supostas regalias” como
“alimentação diferenciada” e “visitas em horário impróprio."
Estamos falando de uma feijoada
que alguns colegas de prisão serviram a Delúbio, num caso banal da
prisão – todos os ingredientes estão disponíveis na cantina do centro de
detenção. A visita diz respeito a um líder dos agentes penitenciários
que deu um “oi” a Delúbio.
Privilégios imensos
na existência de um prisioneiro que só por um erro foi condenado a
regime fechado. Uma visão que comparou o PT ao bando de Lampião. Que
passou oito anos dizendo que um ministro chefe da Casa Civil era "chefe
de quadrilha."
Novilíngua. Novilíngua.
Blog do Paulo Moreira Leite
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