247 - O arquivo digital de publicações como Folha de
S. Paulo e a própria Veja permite juntar os pontos e conectar as
propinas pagas pela Alstom no Brasil ao caixa dois da campanha
presidencial do PSDB em 1998, que reelegeu Fernando Henrique Cardoso.
Nessa trama, um dos personagens centrais é o vereador Andrea Matarazzo,
que foi recentemente indiciado pela Polícia Federal, mas alega inocência
e vem sendo ardorosamente defendido por áulicos do PSDB, como o
blogueiro Reinaldo Azevedo.
Matarazzo desponta nesse jogo numa reportagem da Folha de S. Paulo de
12 de novembro de 2000, assinada pelos jornalistas Wladimir Gramacho e
Andrea Michael. "Documento revela doações não registradas para a
campanha de FHC", diz o título do texto, que foi uma das manchetes
principais da Folha naquele dia (leia aqui a íntegra).
Segundo a reportagem, pelo menos R$ 10,1 milhões não foram declarados
ao Tribunal Superior Eleitoral. E as informações vinham de uma planilha
feita pelo ex-ministro Luiz Carlos Bresser Pereira, que foi o
tesoureiro das duas campanhas presidenciais de FHC.
Dos R$ 10,1 milhões, a maior parte, segundo a planilha de Bresser
Pereira, havia sido arrecadada por Matarazzo. Eis o que diz a
reportagem:
A maior doação não declarada ao TSE, de R$ 3 milhões, é atribuída
pela planilha ao hoje ministro Andrea Matarazzo, da Secretaria de
Comunicação da Presidência. Dinheiro sem procedência nem destino
conhecidos, de acordo com o documento.
"Não pode ser. Não conheço
a planilha. Não tenho idéia. Muito menos valores desse tamanho", reagiu
Matarazzo. "Eu não fui arrecadador. Não me ponha como arrecadador. Fiz
alguns jantares com empresários. E só", rebateu o ministro.
Seus
colegas de campanha dizem coisa diferente. "O Andrea também foi
(arrecadador), no começo", lembra Bresser. "Havia uma certa competição,
talvez em função da vontade dele de ir para Brasília", conta o
publicitário Luiz Fernando Furquim, outro coletor.
Ou seja: embora Matarazzo tenha negado agir como arrecadador, seu
papel nesse trabalho de levantar recursos foi confirmado pelo próprio
Bresser Pereira e pelo publicitário Luiz Fernando Furquim.
Diante da gravidade da denúncia da Folha, a própria Veja decidiu
repercutir o caso. E o fez numa reportagem do jornalista Alexandre
Oltramari, de 22 de novembro de 2000.
No texto "O caixa dois de volta à luz", Veja não fez contorcionismos
retóricos para negar o caixa dois na campanha de FHC – uma vez que o
próprio tesoureiro de campanha, Bresser Pereira, o confirmara. O que
Veja fez foi afirmar que outros partidos, como o PT, subestimaram os
seus gastos (leia aqui a íntegra).
A reportagem de Oltramari não poupa Andrea Matarazzo, acusado de
mentir à revista. Eis um trecho da reportagem, a partir do subtítulo
autoexplicativo "Que teve, teve":
Que teve, teve – Num primeiro momento, os
tucanos, atingidos pela denúncia, ensaiaram uma versão de que a planilha
do caixa dois podia não ser verdadeira. Após receber um telefonema de
Fernando Henrique, no qual o presidente demonstrava preocupação com a
notícia, Bresser Pereira tentou explicar-se. Admitiu ser o dono da
planilha e contou que seu irmão, Sérgio Luiz, o ajudou no trabalho,
porém afirmou que ela foi alterada. "Eu montei uma planilha, mas
abandonei o sistema depois de dois meses porque não funcionava", disse o
ex-ministro. "Não houve gastos nem receitas que não foram
contabilizados.
Não sei explicar de onde saiu isso." A ordem no Planalto
era para que ninguém no governo comentasse o assunto. No apartamento de
Bresser, em São Paulo, os empregados avisavam aos jornalistas que ele
viajara para os Estados Unidos. O ministro Andrea Matarazzo, que aparece
na lista do "por fora" com uma doação de 3 milhões de reais, mandou
seus assessores dizer que tinha ido para a fazenda e estava
"incomunicável". Puro teatro. Nem Bresser havia embarcado para os
Estados Unidos nem Matarazzo estava "incomunicável".
No final da semana, ninguém tinha mais dúvida de que
a planilha revelava o caixa dois da campanha. Além de Bresser Pereira,
outras duas pessoas tinham acesso à contabilidade da campanha de
Fernando Henrique: o ex-presidente dos Correios Egydio Bianchi e
Adroaldo Wolf. Em conversa com VEJA, um deles admitiu que a campanha, de
fato, usou a contabilidade paralela. "Que teve uma contabilidade
paralela, eu não tenho dúvida. O que eu não sei é se desviaram o
dinheiro ou se não declararam para proteger a identidade do doador", diz
um dos tesoureiros. Na quarta-feira passada, falando de seu apartamento
em São Paulo, Bresser desabafou: "Não posso ser responsabilizado por
tudo que ocorreu de alto a baixo na campanha", disse.
"Se alguém recebeu
dinheiro e não registrou, como eu posso saber?" Entre os tucanos, o
nome de Egydio Bianchi, que entrou no governo pelas mãos do ex-ministro
Sergio Motta, circulava como o principal suspeito de ter vazado as
planilhas com o caixa dois da campanha. Demitido dos Correios há quatro
meses pelo ministro Pimenta da Veiga, das Comunicações, Bianchi saiu
atirando. Chegou a ter um encontro com Fernando Henrique no qual
torpedeou a administração de Pimenta da Veiga e prometeu entregar um
dossiê com acusações.
Em 2008, depois que eclodiu o escândalo internacional
das propinas da Alstom, pela primeira vez, a imprensa brasileira
associou a multincional francesa a doações de campanha para o PSDB. Isso
foi feito na reportagem "Caixa dois de FHC citava empresas da Alstom",
de José Ernesto Credendio, Mario Cesar Carvalho e Andrea Michael (leia aqui a íntegra). Leia aqui um trecho:
Duas empresas do grupo francês Alstom são citadas
nas planilhas eletrônicas do comitê financeiro do PSDB que deveriam
abastecer o caixa dois da campanha do ex-presidente Fernando Henrique
Cardoso à reeleição, em 1998. As empresas são a Cegelec e a ABB.
As planilhas, tornadas públicas em 2000, atribuem ao atual
secretário de Subprefeituras de São Paulo, Andrea Matarazzo (PSDB),
então secretário de Energia do Estado, a missão de buscar recursos junto
a empresas. As estatais de energia eram os principais clientes da
Alstom no governo de São Paulo.
Porém, não era atribuída à Cegelec e à ABB nenhuma meta de
arrecadação. A planilha também não informa se elas deram dinheiro ao
PSDB. Em 1998, Matarazzo acumulou o cargo de secretário com o de
presidente da Cesp (Companhia Energética de São Paulo), justamente uma
das principais clientes da Alstom.
Memorandos internos trocados em 1997 entre diretores da Alstom,
na França, apreendidos por promotores da Suíça, dizem que seriam pagas
"comissões" para obter negócios com o governo paulista.
Num desses memorandos, um diretor da Cegelec em Paris diz estar
disposto a pagar 7,5% para obter um contrato de R$ 110 milhões da
Eletropaulo.
A Alstom comprou a Cegelec justamente naquele ano.
Os papéis citam que a comissão seria dividida entre "as finanças
do partido", "o tribunal de contas" e "a Secretaria de Energia". A
Eletropaulo era subordinada até abril de 1998 à pasta dirigida por
Matarazzo.
Por essas e outras razões, Andrea Matarazzo foi indiciado pela
Polícia Federal, que usou, inclusive, a teoria do domínio do fato para
incriminá-lo. Os indícios são mais do que veementes e conectam as
propinas da Alstom ao caixa dois da campanha de FHC, que foi admitido
pelo próprio tesoureiro Bresser Pereira.
No entanto, num post publicado ontem, o blogueiro Reinaldo Azevedo dá mais um piti em defesa de Matarazzo (leia aqui). Puro desespero.
Brasil 247
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