qui, 20/03/2014 - 16:00
- Atualizado em 20/03/2014 - 16:03
Do O Dia
Militar diz que ordem partiu do
gabinete do ministro. Deputado federal foi preso em casa em 20 de
janeiro de 1971 e torturado até morrer. Seu corpo foi desenterrado dois
anos após a morte. E nunca mais encontrado
JULIANA DAL PIVA
Rio - "Recebi a missão para resolver o
problema, que não seria enterrar de novo. Procuramos até que se achou
(o corpo), levou algum tempo. Foi um sufoco para achar (o corpo). Aí
seguiu o destino normal”. Com essa frase, 43 anos depois, o coronel
reformado do Exército Paulo Malhães admite pela primeira vez que foi um
dos chefes da operação montada em 1973 para sumir com o corpo do então
deputado federal Rubens Paiva, que estava enterrado na areia, na Praia
do Recreio dos Bandeirantes.
Para localizar o corpo de Rubens
Paiva, duas equipes trabalharam durante cerca de 15 dias na praia. Junto
com Malhães, também participou da missão o coronel reformado José Brant
Teixeira, parceiro de diversas outras operações. Além dele, os
sargentos Jairo de Canaan Cony e Iracy Pedro Interaminense Corrêa.
Apenas Cony está falecido.
O oficial admite que sabia de quem era
o corpo procurado. “Eu podia negar, dizer que não sabia, mas eu sabia
quem era sim. Não sabia por que tinha morrido, nem quem matou. Mas sabia
que ele era um deputado federal, que era correio de alguém”, conta.
Aos 76 anos, um dos mais experientes
oficiais do Centro de Informações do Exército (CIE), o militar contou ao
DIA que recebeu a missão do próprio gabinete do ministro do Exército em
1973 e que viu colegas graduados como o coronel Freddie Perdigão
Pereira recusarem o trabalho: “É um troço que você tem que pensar duas
vezes antes de fazer. Ele não quis”.
Malhães diz que estava investigando
uma guerrilha no sul do Brasil durante a prisão do deputado. Só ao
receber a missão, é que foi informado de que o corpo tinha sido
inicialmente enterrado em 1971 no Alto da Boa Vista. Mas, na ocasião, os
militares temiam que obras na Avenida Edson Passos acabassem revelando o
cadáver. Então, o corpo foi retirado do local no mesmo ano e novamente
enterrado na Praia do Recreio dos Bandeirantes. Em 1973, o coronel conta
que o CIE resolveu dar uma “solução final”.
“A preocupação foi aquela velha briga.
Foi o negócio de enterrar. Eles enterram o cara, tiraram cara do lugar
que estava enterrado que era no Alto da Boa Vista porque ia passar na
beira de um estrada. Aí, tiraram o cara e levaram para o Recreio e
enterraram na areia. Só que a Polícia do Exército (PE) quase toda viu
isso. Esse translado”, explica.
De acordo com Malhães, O Exército
avaliava que a a operação era necessária porque alguns agentes do
DOI-Codi ameaçavam tornar o caso público. “O Leãozinho viu, não sei mais
quem viu também, mas o troço veio a tona. O Leão dizia que enterraram
na praia”, afirma.
Malhães só faz mistério sobre o
destino dado após a localização do cadáver. “Pode ser que tenha ido para
o mar. Pode ser que tenha ido para um rio”, completa. Em outubro de
1974, o militar recebeu a Medalha do Pacificador com Palma.
Assessor revela identidade de testemunha
Leão era o coronel reformado Ronald
José Mota Batista de Leão, ex-chefe do Pelotão de Investigações
Criminais (PIC). Em fevereiro, a Comissão Nacional da Verdade apresentou
um relatório parcial sobre o caso e informou que recebeu uma carta de
Leão informando que tinha vista Paiva ser recebido por dois agentes do
Centro de Informações do Exército: Rubens Paim Sampaio e Freddie
Perdigão Pereira.
Na divulgação do relatório, a Comissão
Nacional da Verdade também apontou o nome de dois agentes que
torturaram e mataram o deputado federal Rubens Paiva. De acordo com
depoimentos de dois militares prestados a CNV, os autores do crime
seriam o então tenente Antônio Fernando Hughes de Carvalho e o
comandante do DOI, o também major José Antônio Nogueira Belham.
As informações foram obtidas por meio
de um depoimento prestado por um militar que a comissão identificou
apenas como “agente Y”. Um assessor da comissão, entretanto, confirmou
ao DIA que a testemunha se trata do coronel da reserva Armando Avólio
Filho, ex-integrante do Pelotão de Investigações Criminais da Polícia do
Exército (PIC-PE).
Há um ano, em fevereiro de 2012, a CNV
apresentou as primeiras conclusões de sua investigação até aquele
momento. Na ocasião foram apresentados documentos que comprovavam que
Rubens Paiva havia sido transferido para o DOI-Codi.
Em janeiro deste ano a Comissão da
Verdade do Rio tornou público um depoimento do general reformado
Raymundo Ronaldo Campos. Ele confessou que Exército montou uma farsa ao
sustentar, na época, que Paiva teria sido resgatado por companheiros
“terroristas”. A versão oficial era de que , ao ser transportado por
agentes do DOI no Alto da Boa Vista, os militares entraram em confronto
com um grupo de esquerda, quando Paiva havia conseguido fugir. Raymundo,
era capitão, e conduzia o veículo supostamente atacado. Também estavam
no carro os sargentos e irmãos Jacy e Jurandir Ochsendorf.
Rubens Paiva foi preso em casa no dia
20 de janeiro de 1971 por agentes do Centro de Informações de Segurança
da Aeronáutica (Cisa). Horas depois, o deputado foi entregue ao
DOI-Codi, no Rio, onde foi torturado até a morte. Deputado federal,
eleito pelo PTB, mesmo partido de João Goulart, Rubens Paiva foi cassado
em 1964, logo após o golpe militar. Após um período no exílio, retorna
ao Brasil, mantendo suas atividades empresariais. Sua morte se deu em 21
de janeiro de 1971 e uma farsa foi montada para ocultar o crime.
Seu corpo nunca foi encontrado.
Rubens Paiva ao lado da família. Ele foi morto e enterrado no Alto da Boa Vista Foto: Arquivo
Blog do Luis Nassif
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