terça-feira, 25 de março de 2014

Toffoli: "Financiamento privado deturpa democracia"

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Prestes a assumir a presidência do Tribunal Superior Eleitoral, em maio, o ministro Dias Toffoli declara-se contrário ao financiamento de partidos e campanhas eleitorais por pessoas jurídicas: “É uma deturpação. A democracia não pode ser financiada por atores que não têm direito a voto”
25 de Março de 2014 às 05:34


Consultor Jurídico - Perto de assumir a presidência do Tribunal Superior Eleitoral, em maio, o ministro Dias Toffoli declara-se contrário ao financiamento de partidos e campanhas eleitorais por pessoas jurídicas. “É uma deturpação da democracia. A democracia não pode ser financiada por atores que não têm direito a voto”, afirmou em entrevista publicada nesta segunda-feira (24/3) pelo jornal Brasil Econômico.


O ministro avalia que o Supremo Tribunal Federal, onde atua há cinco anos, não invade a esfera do Legislativo ao julgar o financiamento de campanha em Ação Direta de Inconstitucionalidade sobre o tema. “A Constituição fala que o sufrágio é para o cidadão e que se tem de afastar a influência do poder econômico. É uma decisão que não é do Congresso, é da Assembleia Nacional Constituinte, que cabe ao STF preservar.” Mesmo que a corte siga a mesma tese, ele considera difícil que haja mudanças já neste ano.


Toffoli também descarta a possibilidade de que a indicação de ministros do STF pela Presidência da República leve a decisões favoráveis ao governo. Ex-advogado do PT e escolhido pelo governo Lula, ele diz que apenas “pessoas desinformadas” avaliam que o trabalho dele no Judiciário tenha relações com a política. “O maior fiscal dos juízes são os advogados”, afirma.


Leia trecho da entrevista:

Qual o balanço que o senhor faz do julgamento do mensalão?
A primeira lição tirada do julgamento, já adotada pelo tribunal, foi a prática de desmembrar os processos em relação àqueles acusados que não têm foro por prerrogativa de função. Este foi um grande ensinamento. Passamos todo o segundo semestre de 2012 julgando o processo, que tinha 30 acusados, dos quais apenas três tinham foro por prerrogativas de função. Se fossem apenas três julgados pela corte, só em termos de sustentação oral já ganharíamos um mês. O primeiro mês, de agosto, foi todo tomado apenas pelas alegações dos advogados. Agora, nós estamos desmembrando os processos quando há acusados sem foro por prerrogativas processados em conjunto com parlamentares.

O julgamento representou uma mudança de paradigma?
Foi uma questão muito ligada, no mundo político, ao financiamento de campanha. Trata-se da necessidade dos políticos de angariar recursos para as eleições. Dependendo do volume de recursos obtidos, um partido consegue eleger mais ou menos deputados. Outra lição que esse caso coloca é que algumas poucas pessoas dominavam os partidos. No Brasil, há proprietários de partidos políticos. São aqueles que controlam o dinheiro que vem do fundo, controlam o dinheiro que vem das doações e com isso fidelizam o filiado. É algo muito vinculado a um sistema de legislação partidária que talvez necessite de um aperfeiçoamento. Há necessidade, no mundo de hoje, de uma ampliação da base democrática. As novas tecnologias estão mostrando isso. Os partidos são dominados por poucos líderes - o Roberto Jefferson, por exemplo, ficou na presidência do seu partido (PTB) até ser condenado.
Valdemar da Costa Neto, ex-presidente do PL, hoje no PR, ainda é consultado na prisão...
Exatamente. Não que essas pessoas não possam ser ouvidas por sua inteligência ou por terem uma capacidade intelectual superavitária. Refiro-me ao fato de conseguirem manter esse controle sobre um partido político.

O senhor vê, então, duas distorções: o financiamento privado de campanha e o controle sobre a máquina do partido?
Exato. Quando o Supremo decidiu pela fidelidade partidária, em 2007, na verdade reforçou um modelo partidário que não foi alterado. Ao dizer que o parlamentar que muda de partido perde o mandato, está-se dando mais poderes às cúpulas para definirem quem tem ou não direito a um mandato político. Há um incentivo desse controle de poder por uma minoria. É necessária uma mudança de modelo. É algo complexo, porque é uma mudança a ser feita pelos beneficiários da própria legislação atual. Mas acredito que isso ocorrerá mais cedo ou mais tarde. Porque, caso contrário, se as pessoas não se sentirem representadas, elas irão às ruas, como ficou demonstrado em junho do ano passado. O voto em lista fechada, por exemplo, é algo que o brasileiro não aceitaria.

Por que o núcleo financeiro do mensalão acabou gravado com penas muito superiores às do núcleo político?
Foi decorrência da legislação. Pela decisão do Supremo, nesse caso, foram crimes diferentes, que têm penas diferentes, associadas ao número de ocorrências. O núcleo financeiro e o publicitário (composto por Marco Valério e seus sócios), pela decisão do STF, participaram de toda a operação e de todos os casos, enquanto os políticos ficaram adstritos aos atos específicos de seus partidos.

O PT sempre argumentou que se tratava de caixa 2 de campanha. Após o julgamento, ainda há possibilidade de uso do caixa 2?
Em minha opinião não se tratou nem de corrupção ativa, nem de caixa 2. Usando uma palavra não técnica, o que houve foi extorsão. Determinados partidos disseram: "Eu vou para a base (de apoio parlamentar) se vocês me derem dinheiro para a campanha". Ninguém diz que precisa do dinheiro para colocar no bolso ou comprar uma casa. Sempre se dá a desculpa de que é para campanha.

Após o mensalão, o senhor acredita que os candidatos ainda se arriscariam a ter caixa 2?
Se você perguntar aos prefeitos do país como eles conseguem aprovar suas leis, poderá verificar se esse julgamento alterou alguma coisa no mundo fático.



Brasil 247

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