18/03/2014
Mauro Santayana
(JB) - O professor Delfim Netto abordou outro dia, em interessante
artigo, o papel do Estado e do Mercado, e a importância de cada um na
construção da prosperidade humana.
Do nosso ponto de vista, o Estado precisa ser não apenas um
agente indutivo e fiscalizador da atividade econômica, mas eventualmente,
participar diretamente dela, na produção, distribuição e vendas, sempre que
isso for necessário para evitar a espoliação pura e simples do consumidor pela
voracidade – muitas vezes incontrolável – do mercado.
Nos países mais desenvolvidos, grandes empresas nacionais,
estatais ou privadas, são consideradas ativos estratégicos, e parte integrante
do projeto de desenvolvimento econômico e social da nação.
No Brasil, depois da nefasta equiparação, ocorrida nos anos
1990, de empresa de capital estrangeiro a empresa de capital nacional, bastando
para isso abrir um escritoriozinho qualquer dentro do país, abandonou-se
qualquer diferenciação nesse sentido.
Enquanto isso, nos Estados Unidos o Estado não compra sequer
um prego – principalmente na área bélica – se não houver uma empresa
majoritariamente norte-americana envolvida na transação.
Quando da crise, que ameaçava quebrar grandes bancos e
empresas norte-americanas, o governo daquele país não hesitou um instante em injetar
dinheiro nos bancos. Comprou ações de grandes grupos industriais locais,
estimulou o consumo. Estabeleceu leis como a Buy American Act e a Employ American, a primeira exigindo que todo
aço, ferro e manufaturados usados nos projetos de infraestrutura inscritos no
plano fossem oriundos de norte-americanos. A segunda discriminava estrangeiros
portadores de visto de mão-de-obra qualificada, em contratações de instituições
financeiras auxiliadas pelo governo americano.
No Brasil, o que aconteceria se o Governo resolvesse, de
repente – já que, alega-se, estamos entrando em uma crise sem precedentes - comprar
bilhões em ações da Vale ou da Petrobras neste momento, para aumentar seu valor
de mercado e ajudar, com isso, na recuperação da Bolsa de São Paulo?
Certamente, o mundo viria abaixo. Teríamos uma crise
institucional, e o Brasil seria crucificado, aqui e lá fora, como já está
ocorrendo, por excesso de “intervencionismo”.
Se é praticamente impossível falar em aumentar o papel das
estatais brasileiras na concorrência – saudável – com o capital privado
nacional, e, principalmente, com o multinacional, no atendimento das necessidades do consumidor, a situação fica
pior ainda quando se trata, meramente,
de preservar as condições de competição de empresas brasileiras com o capital
estrangeiro.
Um exemplo é o que está ocorrendo agora no setor de cimento, composto
majoritariamente por capitais nacionais.
O CADE – Conselho Administrativo de Defesa Econômica resolveu
multar seis empresas cimenteiras em mais de 3.1 bilhões de reais e exigir a
venda de ativos que chegam a 25% da participação de mercado de algumas delas.
Essa é uma decisão que pode vir a desestruturar a cadeia
produtiva do cimento no país, e abrir eventualmente caminho para a entrada de novas
empresas estrangeiras no setor.
Ninguém é contra o combate à cartelização de nenhum setor da
economia. Mas é preciso evitar desmembrar grandes grupos, que poderiam ter um
papel estratégico a cumprir, dentro e fora do país. E acabar, como resultado disso,
beneficiando seus concorrentes
internacionais, que muitas vezes não estão sujeitos, em seus países de origem,
às mesmas leis que existem em nosso país.
O CADE, e as agências reguladoras, não agem da mesma forma,
por exemplo, com relação à área de telecomunicações, amplamente dominada pelo
capital estrangeiro.
Esse é o caso da compra de parte da Telecom Itália, dona da
TIM, pela Telefónica da Espanha, dona da VIVO, que transforma, na prática, para
efeito de administração, essas duas empresas em uma só.
O CADE proibiu a Telefónica de aumentar a sua participação na
TELCO, que controla a TIM. Mas isso não muda o fato de que as duas operam, debaixo
de um mesmo “guarda-chuva” europeu no Brasil.
Enquanto isso, depois de 43.000 reclamações contra a qualidade
do Sistema 3G, que não deram absolutamente em nada, os consumidores, cansados
de esperar pela ANATEL, entraram anteontem por meio da PROTESTE, em Brasília,
com ações coletivas contra as principais operadoras que atuam no país.
A intenção é obriga-las a fornecer a conexão na velocidade
contratada – em caso contrário incorreriam em multas pesadas – e exigir
indenização coletiva por danos morais, com descontos nas contas a serem pagas
pelos usuários, pelo período mínimo de um ano.
Tudo isso ocorre no mesmo momento em que a ANVISA está sendo investigada pela aprovação fraudulenta de licenças para a venda de agrotóxicos proibidos no Brasil. E que o escritório da ANAC em São Paulo está sendo acusado da venda, a 64 candidatos a piloto, de habilitações ilegais para voar dentro e fora do país.
Jornal do Brasil
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