Em artigo exclusivo para o 247, o jornalista Breno
Altman comenta a desmoralização da Ação Penal 470, depois que o Supremo
Tribunal Federal, de forma correta, remeteu o caso de Eduardo Azeredo à
primeira instância; o mesmo deveria ter ocorrido com réus da Ação Penal
470 sem direito ao foro privilegiado, como José Dirceu; "Com o tempo,
não irá restar pedra sobre pedra das armações que determinaram a AP 470,
cujas operações foram tecidas sob medida, para ocasião única, na
alfaiataria dirigida pelo ministro Joaquim Barbosa", diz ele; Altman, no
entanto, aponta um desafio para o STF; "Como irá corrigir as injustiças
e desmandos que levaram à cadeia líderes históricos do PT?", questiona
Por Breno Altman, especial para o 247
O Supremo Tribunal Federal
deliberou, por 8 votos a 1, pela remessa do processo contra o
ex-deputado Eduardo Azeredo à primeira instância, nas montanhas de sua
Minas Gerais, onde responderá pelo mensalão tucano.
Tal resolução, a bem da verdade,
guarda coerência com outra, tomada há algumas semanas, que estabeleceu
desmembramento de processos que envolvam cidadãos com e sem foro
privilegiado, ainda quando partilhando a mesma denúncia penal. Aqueles
que não possuírem alçada federal, serão remetidos para o pé da pirâmide
judicial, com direito a dois ou até três graus de apelação.
Pode-se especular que o
ex-presidente do PSDB renunciou ao mandato parlamentar por razões
maliciosas, apenas para ganhar tempo e aumentar as chances de prescrição
para eventuais crimes, além de buscar a tranquilidade de uma comarca na
qual exerça maior influência. Mas não há qualquer dúvida que a atitude
tomada por Azeredo, trocando sua cadeira na Câmara por maior segurança
jurídica, está protegida por direitos constitucionais. Como reconheceu,
aliás, a própria corte suprema.
Talvez seja pertinente a crítica
moral. Ao contrário de José Dirceu, que recusou abdicar do parlamento
para escapar da cassação, preferindo o combate político ao cálculo de
oportunidades, o outrora governador mineiro resolveu escapar pela porta
dos fundos. Não é bonito, tampouco ilegal. Dirceu tem obrigação
histórica e biográfica de ser como é. Azeredo contou com a possibilidade
regulamentar de agir como o fez.
O mais relevante, no entanto, está
na jurisprudência que acarretam as novas deliberações do STF. Depois de
revisado o crime de quadrilha, caiu a segunda das quatro pilastras sobre
as quais se ancorou a AP 470, qual seja, a unificação de todas as
denúncias em um só processo na corte suprema quando qualquer dos réus
goza de foro privilegiado. Quando foi analisado o caso contra os
petistas, apenas três dos 39 acusados eram parlamentares nacionais, mas
todos foram conduzidos a julgamento em instância única.
Este procedimento, considerado
fundamental para as condições de espetáculo e resultado contra Dirceu e
companheiros, foi devidamente arquivado depois de ajudar o relator
Joaquim Barbosa a alcançar seus objetivos. Não é à toa que o único voto
contra Azeredo tenha sido o do atual presidente do STF, possivelmente
pouco à vontade em corroborar, com sua própria incoerência, o caráter de
exceção do encaminhamento anterior.
A mudança de critérios, de toda
forma, desmascara parte dos métodos arbitrários do processo precedente,
que também se encontram sob acosso da Corte Interamericana de Direitos
Humanos, reiteradamente exigindo que todos os signatários do Pacto de
San Jose ofereçam julgamento recursal em ações penais, mesmo quando os
réus são enquadrados na instância superior do sistema judiciário.
Com o tempo, não irá restar pedra
sobre pedra das armações que determinaram a AP 470, cujas operações
foram tecidas sob medida, para ocasião única, na alfaiataria dirigida
pelo ministro Barbosa. Ainda restam outras duas colunas: o domínio do
fato como teoria que dispensa provas materiais concretas para condenação
e o fatiamento do suposto crime de suborno em diversos delitos
independentes, com a meta de garantir a devida exacerbação penal.
Tampouco essas aberrações sobreviverão à via constitucional que o STF
está obrigado a retomar.
Quando a normalidade jurídica
estiver plenamente recuperada, porém, a corte suprema terá que resolver
um dos maiores dilemas de sua história. Como irá corrigir as injustiças e
desmandos que levaram à cadeia líderes históricos do PT? Quem irá pagar
a conta do circo judicial e midiático montado com a única finalidade de
degolá-los por crimes que jamais cometeram?
Brasil 247
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