quarta-feira, 26 de março de 2014

Os passos erráticos de um coronel, torturador confesso


O coronel da reserva do Exército Paulo Malhães, considerado um dos mais ativos agentes da repressão e tortura durante a ditadura militar, embora tenha confessado, ontem, no depoimento à Comissão Nacional da Verdade (CNV), que também tem seus momentos de “recaída” e pena dos familiares dos desaparecidos, tudo indica está empenhado em confundir, ou em aumentar a tortura e angústia da família do ex-deputado Rubens Paiv


Depois de ter confessado em entrevistas ao jornais O Globo e O Dia, que havia comandado a operação de sumiço final dos restos mortais do ex-deputado Rubens Paiva, jogados ao mar, no depoimento à CNV, ontem, o coronel voltou atrás. No depoimento ele admitiu que torturou, matou e ocultou cadáveres de presos políticos na ditadura militar. Mas negou ter comandado a operação de sumiço dos restos de Paiva. Disse que sabe que o corpo foi jogado em um rio da Região Serrana fluminense e se negou a dar mais detalhes do que sabe. Alegou ter o dever de proteger militares que foram seus colegas ou superiores.


Limitou-se a explicar que fez a confissão ao O Globo e ao O Dia por pena da família Paiva, para confortá-la, consolá-la, por ela estar “há 38 anos procurando o corpo”. Está há 43, coronel Malhães. O deputado foi levado de casa dia 20 de janeiro de 1971 para o DOI-CODI, assassinado entre esta data e o dia 22 daquele mês e desde então consta como desaparecido político. Mas a família, a mídia e as comissões da verdade já levantaram tudo, sabem em detalhes o que ocorreu e só não conseguem localizar os despojos de Rubens Paiva.


O que levou o coronel Malhães a recuar?


O coronel confessou sua face humana, mas ao mesmo tempo declarou à CNV não saber quantos combatentes da ditadura torturou e matou na repressão e que não se arrepende de nada do que fez porque acha que estava certo. “Com tantos anos de advocacia, eu me choquei com a descrição da mutilação de dedos e arcadas dentárias para desaparecer com os corpos”, afirmou José Carlos Dias. “Eu não diria que ele foi corajoso. É um exibicionista, um sádico”, acrescentou o ex-ministro da Justiça e integrante da CNV.


Mas, o que levou o coronel a voltar atrás? Acovardou-se, levou uma prensa de seus pares, sofreu ameaça? Com o novo depoimento do coronel ontem, o Jornal Nacional, da Rede Globo, por exemplo, procurou ouvir o Ministério da Defesa. Ouviu o mesmo mantra repetido há 50 anos, desde o golpe de 1964: as Forças Armadas não falam a respeito.


Também em depoimento à CNV, Inês Etienne Romeu, única presa política que  sobreviveu entre as dezenas que passaram pela Casa da Morte, o centro de tortura que funcionou em Petrópolis,  identificou seis militares como torturadores. Ela reconheceu imagens (fotos) dos seis homens e os identificou como integrantes do centro clandestino de tortura, mantido pelo Exército em Petrópolis a partir de 1971 e até 1974.


Mais uma leva de torturadores da Casa da Morte identificados


Os agentes reconhecidos são Freddie Perdigão Pereira; Rubens Paim Sampaio; Ubirajara Ribeiro de Souza; Rubens Gomes Carneiro;  Luiz Cláudio de Azeredo Vianna; e Antonio Fernando Hughes de Carvalho. Até a apresentação das fotos, Inês havia identificado, por meio de imagens, dois outros agentes da casa da Morte: Amílcar Lobo e Ubirajara Ribeiro de Souza.
Inês Etienne Romeu, antes audiência pública da Comissão da Verdade do Rio, no Arquivo Nacional.


“A Casa da Morte elevou os desaparecimentos a uma política de Estado, operada pelo Exército”, disse o coordenador da comissão, Pedro Dallari. “Foi uma estrutura de Estado concebida para a grave violação de direitos humanos.”


Ao menos seis desaparecidos políticos teriam sido assassinados na Casa da Morte, segundo a CNV: Carlos Alberto Soares de Freitas; Mariano Joaquim da Silva; Aluizio Palhano Pedreira;  Heleny Telles Ferreira Guariba; Walter Ribeiro Novais; e Paulo de Tarso Celestino da Silva.


Coronel Malhães atuou lá


No depoimento à CNV, ontem, o coronel Malhães assumiu ter atuado na Casa da Morte. Ele defendeu a tortura como método de interrogatório e descreveu a mutilação de corpos para evitar que fossem identificados. “A tortura é um meio. Se o senhor quer saber a verdade, o senhor tem que me apertar”, disse ao ex-ministro da Justiça José Carlos Dias. “Naquela época não existia DNA. Quais são as partes que podem identificar um corpo? Arcada dentária e digitais”, afirmou, justificando às mutilações de cadáveres dos presos políticos mortos.


Ele chamou os presos de “terroristas” e garantiu não ter nenhum arrependimento das mortes. “Essas pessoas eram guerrilheiras. Não eram pessoas normais. Não foram presas porque jogavam bola de gude”, disse.



Blog do Zé Dirceu

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