Colunista diz que é difícil encarar com
naturalidade a cobertura dispensada a presos do chamado “mensalão”; em
reação à reportagem da Veja que estampa ex-ministro em imagem dentro da
cadeira para denunciar supostas regalias na Papuda, jornalista diz que é
espantoso o fato de a revista não lembrar ao distinto público que ele
está preso ilegalmente: “desde que a sentença foi promulgada, Dirceu
vive em regime fechado ao arrepio da lei”; crimes de Veja não são mais
aceitos com naturalidade por jornalistas de boa índole
247 – Em reação
à reportagem da revista Veja deste final de semana, que estampou a
imagem de José Dirceu dentro da cadeira, o que configura um crime, o
colunista da Folha S. Paulo Ricardo Melo ataca a falta de imparcialidade
da revista e o “linchamento” do ex-ministro. Segundo ele, é espantoso o
fato de a revista não lembrar ao distinto público que ele está preso
ilegalmente, uma vez que foi condenado ao semiaberto. Leia:
É difícil encarar com naturalidade a cobertura dispensada a presos do chamado mensalão
Irritados com o que consideram
manipulação da mídia, vários interlocutores afirmam ter deixado de ler a
publicação x ou y. Trata-se de um luxo vedado a jornalistas.
Concordando ou discordando, somos permanentemente obrigados a passar os
olhos, que seja, pelo maior número possível de publicações. Até para
poder comentar, criticar, elogiar ou simplesmente nos informar.
Ainda assim, é difícil encarar com
naturalidade a cobertura dispensada a presos do chamado mensalão. Sim, é
dela mesma que eu falo: da reportagem de capa da revista de maior
circulação nacional sobre a vida na cadeia do ex-ministro José Dirceu e
outros condenados.
Com um tom acusatório, a revista
brinda os seus leitores com frases do tipo: "Lá ele [José Dirceu] gasta o
tempo em animadas conversas, especialmente com seus companheiros do
mensalão [....] só interrompe as sessões de leitura para receber
visitas, muitas delas fora do horário regulamentar e sem registro
oficial algum, e para fazer suas refeições, especialmente preparadas
para ele e os comparsas. "O cardápio? Aqui já teve até picanha e peixada
feitas exclusivamente para eles', conta um servidor".
A lista de pretensas mordomias não
tem fim, bem como o ridículo da reportagem. "Como o lugar fica longe dos
olhos dos presos comuns, os mensaleiros podem desfrutar o tratamento
especial sem que seus colegas de prisão reclamem. Dentro da cela, já
foram recolhidos restos de lanche do McDonald's". Não, não escrevi
errado. A transcrição está exata. Prova do tratamento diferenciado,
especial, transgressor, ilegal dos presos estão "restos de lanche do
McDonald's"!
A coisa não fica por aí. "No
banheiro, em vez da latrina encravada no chão, que os detentos chamam de
boi', há um civilizado vaso sanitário." A reportagem não esclarece se
entre os privilégios está o uso de papel higiênico. Mas Dirceu não é o
único alvo. Sobra também para o ex-deputado petista José Genoino. "Numa
conversa entreouvida por um servidor, um médico que atendia Genoino
revelou ter escutado do próprio petista a admissão de que deixara de
tomar alguns remédios para provocar uma arritmia cardíaca e, assim,
poder pleitear a prisão domiciliar."
O sigilo de fontes é salvaguarda
crucial para o trabalho dos jornalistas e geralmente é usado como ponto
de partida de uma investigação. Deve ser defendido incondicionalmente.
Isso não isenta o autor de medir a gravidade do que escreve. O
malabarismo verbal costuma ser uma defesa antecipada de quem faz
denúncias impactantes sem ter como prová-las. Exemplo: "Uma conversa
entreouvida por um servidor" serve de base para acusar um preso de
arriscar a própria vida para ter acesso a benefícios aos quais, por sua
vez, já teria direito.
Tão espantoso quanto tudo isso é o
fato de, em nenhum momento, a reportagem lembrar ao distinto público que
José Dirceu está preso ilegalmente. Mérito do julgamento à parte,
queira-se ou não, concorde-se ou não, o ex-ministro foi condenado ao
regime semiaberto. Pois bem: desde que a sentença foi promulgada, Dirceu
vive em regime fechado ao arrepio da lei. "Ah, mas ele come
McDonald's"...
Cinquenta anos depois do golpe de 1º
de abril de 1964, paralelos surgem de todos os lados. Um governo com
rótulo de popular, lideranças conservadoras insatisfeitas com tanto
tempo longe do Planalto, uma nova derrota eleitoral se desenhando no
horizonte. Há diferenças importantes, contudo. Algumas: no momento
presente, não se fala da estatização de empresas, reforma agrária
radical e ampliação de mecanismos de poder da população. Os donos do
dinheiro não têm muito do que reclamar. Agora, ficar esperto não
atrapalha ninguém. Nunca é bom dar sopa para o azar.
Brasil 247
Nenhum comentário:
Postar um comentário