Vez ou outra, os jornais, com base em
cálculos astronômicos, anunciam que, em tal dia e a tal hora, um
determinado asteróide irá passar raspando a órbita da Terra, e que todos
podem ficar tranqüilos, porque não há perigo de ele ser atraído pela
gravidade terrestre e acabar com o mundo.
Essas declarações, no entanto, não costumam servir para afastar o receio. Muitos, mesmo depois de ler os jornais e ver as entrevistas de astrônomos na televisão, terminam indo dormir com um aperto no coração. E rezam para que no dia seguinte tudo amanheça bem e o sol brilhe de novo, até que chegue o momento da aproximação de um novo corpo celeste da órbita terrestre.
Pois bem, no dia 17 de outubro uma
espécie de asteróide financeiro passará por Washington, e não temos como
antecipar se ele irá ou não cair sobre as nossas cabeças. Nesse dia, se
esgotará totalmente o prazo de aplicação das medidas excepcionais que
estão sendo empregadas pelo tesouro dos Estados Unidos para evitar o
défault — ou a inadimplência do país — no pagamento de seus
compromissos.
Os EUA devem, hoje, em valores
correntes, quase 16 trilhões e 700 milhões de dólares. Uma quantia tão
alta que ultrapassou o limite máximo definido pela legislação. Com isso,
o governo precisa, agora, aprovar uma lei que lhe permita aumentar o
orçamento e o teto da dívida — que já é a maior do mundo — para poder
contrair novos empréstimos e continuar funcionando.
A decisão, no entanto, não é da Casa
Branca. Hoje, primeiro de outubro, começa um novo ano fiscal, e o
Congresso, dominado pela oposição, vem postergando, desde maio, uma
decisão a respeito do assunto. Os republicanos chantageiam Obama, e
exigem, entre outras coisas, para sair do impasse, o fim da reforma do
sistema de saúde, aprovado em 2010, que entraria em vigor em 2014.
Na maioria dos países do mundo — ou
naqueles em que prevalece o bom-senso e os interesses da população — a
questão já teria sido resolvida, por meio da negociação entre o
Executivo e os deputados e senadores. Nos Estados Unidos, no entanto,
com uma oposição conservadora cada vez mais radical, e manipulada por
movimentos fundamentalistas como o Tea Party, tudo pode ocorrer. Caso se
chegue a uma situação de défault, o mundo assistiria a uma crise
econômica sem precedentes. Que afetaria a maioria das nações e,
principalmente, a China e o Brasil, que são, neste momento, o primeiro e
o terceiro maiores detentores de títulos da dívida do tesouro
norte-americano.
Boa parte dos problemas que estão
sendo vividos pelos EUA e pela Europa — com exceção da Alemanha —
derivam, justamente, do fato de se querer manter, nesses países, um
padrão de vida maior que o do resto do mundo, com base no endividamento
dos governos, das empresas e da população.
A crise fiscal norte-americana
agravou-se, nos últimos anos, com as pesadas dívidas exigidas para
custear guerras injustas — e inúteis — em países como o Iraque e o
Afeganistão, e pela “guerra contra o terror”, que inclui agências de
inteligência como a NSA, ao custo de bilhões de dólares por dia.
Desde que Nixon abandonou a
conversibilidade do dólar com relação ao ouro, no início da década de
70, que tinha sido estabelecida em Bretton Woods, os EUA têm vivido,
direta ou indiretamente, à custa do resto do mundo.
A questão da dívida norte-americana
está exigindo — definitivamente — um esforço coordenado para que se
acabe com essa situação, com a reformulação das trocas monetárias e do
próprio sistema financeiro internacional.
Os Brics têm feito tímidas tentativas
no sentido de substituir a moeda dos Estados Unidos em suas trocas e de
criar instituições que possam, paulatinamente, servir de alternativa —
principalmente para as nações emergentes — ao FMI e ao Banco Mundial.
Mas continuam, paradoxalmente, a
manter boa parte de sua riqueza investida em títulos dos EUA, quem sabe,
pela vontade de marcar, também, com essa atitude, as mudanças que estão
ocorrendo nos últimos anos no panorama geopolítico mundial.
As moedas romanas serviam não apenas
para armar suas legiões, mas também para cunhar em ouro, prata e bronze
os símbolos do poder imperial. É preciso tirar dos Estados Unidos a
possibilidade de exprimir sua soberba e de continuar armando seus
soldados com meros pedaços de papel.
Contexto Livre
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