ter, 18/02/2014 - 13:49
- Atualizado em 18/02/2014 - 18:45
Na
última semana o prefeito Fernando Haddad soltou o verbo contra a elite
paulistana. Classificou-a de míope, sugerindo que ela é avessa em
contribuir com a cidade e com o bem público. Afirmou que "hoje,
infelizmente, temos um poder econômico amesquinhado e empobrecido do
ponto de vista espiritual, mas muito rico do ponto de vista material".
Talvez o realismo cínico desaconselhasse o prefeito a desferir tal
ataque. Mas o dever político e moral o legitima por completo.
Haddad encontrou a prefeitura destroçada administrativamente e saqueada por quadrilhas de corruptos associadas a grandes incorporadoras e a outros grupos privados. O fato é que, por décadas, a cidade de São Paulo vem sendo tratada por setores privados como uma espécie de extensão de suas casas, como um quintal de suas ambições e ganâncias. Essas elites não se importaram com o interesse comum da cidade e com o bem estar dos seus cidadãos. Construíram onde não se deve construir, produziram conseqüências desastrosas para a mobilidade urbana, degradaram o meio ambiente, poluíram, sonegaram.
Haddad encontrou a prefeitura destroçada administrativamente e saqueada por quadrilhas de corruptos associadas a grandes incorporadoras e a outros grupos privados. O fato é que, por décadas, a cidade de São Paulo vem sendo tratada por setores privados como uma espécie de extensão de suas casas, como um quintal de suas ambições e ganâncias. Essas elites não se importaram com o interesse comum da cidade e com o bem estar dos seus cidadãos. Construíram onde não se deve construir, produziram conseqüências desastrosas para a mobilidade urbana, degradaram o meio ambiente, poluíram, sonegaram.
Para essas elites não importa se 160 mil crianças não têm creches,
não importa a qualidade física das escolas públicas, não importa a
qualidade da merenda escolar e do ensino, não importa a falta de
alternativas para a juventude da periferia, não importa a falta de vagas
nos hospitais públicos, não importa quantos jovens pobres e negros
morrem vítimas da violência, não importa quantos moradores de rua
existem, não importam as cracolândias. Essas elites vivem em
condomínios-fortalezas, andam de helicóptero e de carro blindado, gastam
em apenas um jantar em restaurante de luxo o valor de muitas
bolsas-família. Os seus bairros são bem policiados e clamam por mais
repressão contra os movimentos sociais e contra qualquer coisa que, aos
seus olhos, representa “desordem”.
Essas elites arrancaram suas imensas riquezas e auferem seus
exorbitantes lucros sobre o solo cidade de São Paulo, sobre o suor e o
sangue dos trabalhadores, sobre vidas sacrificadas, sobre noites mal
dormidas, sobre os baixos salários, sobre horas seqüestradas no
trânsito. Essas elites nada querem dar para a cidade e procuram tirar
dos seus cidadãos o máximo que podem. O caso da ação na Justiça
impetrada pela Fiesp contra o reajuste do IPTU é um exemplo cabal desta
relação predadora que as elites movem contra a cidade. O que disseminam é
uma grande mentira sobre o IPTU. Dizem que prefeitura queria onerar de
20% a 30% os paulistanos. Mas não dizem que aqueles que têm isenção
continuariam isentos; não dizem que para a maior parte dos paulistanos
não haveria aumento e não dizem que os aumentos mais significativos
incidiriam sobre os imóveis de maior valor, localizados nos bairros mais
ricos, nos bairros mais entregues à especulação imobiliária.
A questão da distribuição da carga tributária no Brasil é um nó
górdio da desigualdade social. Segundo estudos do IPEA e de outros
especialistas, a carga tributária representa cerca de 23% da renda dos
mais ricos e 33% da renda dos mais pobres. Em termos percentuais, os 10%
dos brasileiros mais pobres pagam 44% a mais de impostos do que os 10%
mais ricos. A elite econômica brasileira é uma das que menos paga
impostos nas maiores economias capitalistas do mundo.
Todos sabem que a base mais forte da arrecadação no Brasil é a
tributação indireta, que incide sobre alimentos e bens de consumo. Os
pobres comprometem a maior parte de sua renda com esses produtos.
Considerando apenas a tributação indireta, a carga dos mais pobres é de
cerca de 29% e a dos mais ricos de apenas 11%. O IPTU é um tipo de
tributo direto e, por isto, um tipo de tributo que pode contribuir com
um grau maior de justiça tributária desde que a sua incidência seja
progressiva. As elites paulistanas resistem tenazmente à sua cobrança
progressiva, numa clara demonstração de que não querem contribuir
efetivamente com o bem da cidade.
Não há como resolver de forma adequada o problema da desigualdade no
Brasil sem desconcentrar a carga tributária sobre o consumo. A bandeira
da reforma tributária deveria ser um dos itens principais dos movimentos
sociais que se manifestam nas ruas. O caso do IPTU na cidade de São
Paulo é emblemático quanto ao poder das elites: se elas não controlam o
poder executivo e não têm maioria nos parlamentos, recorrem aos
tribunais para proteger seus interesses.
As manifestações de rua de 2013 colocaram as prefeituras no olho do
furação. As demandas por serviços de qualidade e por direitos incidem de
forma imediata sobre as prefeituras. Fernando Haddad foi arrastado para
este turbilhão pela força dos fatos. Foi obrigado a buscar soluções de
curto prazo para uma cidade cujas respostas efetivas para os seus
grandes problemas só podem ser dadas no longo prazo. O fato é que desde a
década de 1930 a cidade deixou de ser pensada estrategicamente. Com
isto, os problemas se acumularam e se tornaram de difícil solução.
Assim, o prefeito precisa enfrentar um paradoxo: dar respostas
urgentes e eficazes aos justos reclamos e demandas dos cidadãos no curto
prazo ao mesmo tempo em que inicia um caminho de planejamento e de
construção de soluções de médio e longo prazos. O êxito de sua gestão
depende do enfrentamento desse paradoxo. As respostas de curto prazo
aliviam pressões e tensões. O planejamento e as ações orientadas para o
longo prazo podem legar uma cidade melhor para se viver e mais bem
resolvida em sua estrutura no futuro. Isto requer coragem, pois implica
em fugir do eleitoralismo e do realismo cínico que se preocupa apenas
com o imediatismo do poder e não com o bem comum da cidade e de seus
cidadãos.
Haddad tem todas as condições de buscar, de forma adequada, esta
calibragem, pois tem um bom programa, tem um bom plano de metas e o novo
Plano Diretor contribuirá decisivamente na reorientação das ações da
administração municipal em favor do interesse público. Será um duro
caminho rumo a desprivatização da cidade. As elites paulistanas seriam
menos predadoras e particularistas se contribuíssem com projetos,
propostas e recursos para enfrentar os drásticos problemas da cidade. Se
elas não o querem fazer voluntariamente, que o poder público as obrigue
a contribuir com o bem da cidade através das leis e dos códigos num
sistema de contrapartidas, que atinja principalmente os grandes
empreendimentos imobiliários.
Aldo Fornazieri é cientista político e professor da Escola de Sociologia e Política.
Blog do Luis Nassif
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