Provável saída de Joaquim Barbosa do tribunal abrirá espaço para consolidação de uma nova maioria. Expectativa é pela distensão do ambiente, hoje marcado por troca de acusações políticas
Izabelle Torres (izabelle@istoe.com.br)
A menos que Joaquim Barbosa mude
subitamente de ideia e volte atrás nos seguidos comunicados de que
pretende antecipar a aposentadoria e deixar o Supremo Tribunal Federal
(STF) nos próximos meses, o principal debate jurídico do País consiste
em discutir como ficará a mais alta corte em sua ausência. Ministros e
estudiosos do Supremo estão convencidos de que as mudanças serão muitas e
de qualidade variada, até porque o novo presidente do tribunal será
justamente Ricardo Lewandowski, o ministro que, por temperamento, por
formação e também por visão nos fundamentos do direito, pode ser
classificado como antípoda de Joaquim Barbosa.
VÊM AÍ OS GARANTISTAS
A nova composição fortalece uma visão garantista, corrente nascida no
direito italiano que privilegia as garantias oferecidas ao indivíduo
A primeira mudança deve ser justamente na forma de condução dos
debates da Corte. “Haverá um ambiente de descontração e coleguismo, que
já se nota quando Joaquim Barbosa se ausenta e Lewandowski assume a
presidência”, prevê um doutor em direito que atua como assistente de um
dos principais ministros da casa. Embora tenha construído uma
popularidade capaz de fazer dele um nome presidenciável em 2014, Joaquim
Barbosa passou as últimas semanas em posição de fraqueza, com a
autoridade corroída pelo comportamento agressivo, num processo de
desgaste interno reforçado pela suspeita, partilhada por alguns colegas,
de que seria capaz de usar o tribunal como trampolim para seus
projetos políticos. Mas, em meio ao clima beligerante que tomou conta do
tribunal desde a concessão aos mensaleiros dos embargos infringentes, o
presidente do STF não foi o único a ser acusado de agir politicamente.
Ao votar contra a formação de quadrilha pelos réus do mensalão, o
ministro Luiz Roberto Barroso foi criticado por Barbosa. Para ele,
Barroso chegou ao STF em junho do ano passado com “voto pronto” e
propósitos políticos. Essa tese encontra eco em outra ala do Supremo, da
qual faria parte o ministro Gilmar Mendes.
Para evitar novos embates políticos, quando o que deveria prevalecer
era a discussão jurídica, Lewandowski já avisou a dois colegas que sua
prioridade quando assumir a presidência será estabelecer a cordialidade e
o respeito ao contraditório dentro da própria Corte. Mas essa postura
não envolve apenas uma questão de boas maneiras.
O STF é um tribunal
colegiado, que produz decisões coletivas, construindo sua jurisprudência
em grupo – e este trabalho só é possível num ambiente de respeito mútuo
e consideração pelas opiniões alheias, ainda que discordantes. Há uma
contrapartida, porém.
O estilo Lewandowski é bastante apreciado pelos
colegas de plenário, mas, de olho no tratamento que o ministro recebe em
aparições públicas, quando chega a ser criticado e até tratado de forma
agressiva por cidadãos comuns, determinados ministros do STF julgam que
o novo presidente terá de preocupar-se com a popularidade do tribunal –
e dele próprio – se não quiser enfrentar manifestações de
descontentamento no plenário. “Nenhum ministro ficará feliz se concluir
que o tribunal está perdendo um prestígio que já teve de antes”, opina
um dos mais antigos magistrados da Corte.
Por uma dessas coincidências especialmente curiosas, Lewandowski
assume a presidência num momento em que começa a ser constituída uma
nova maioria, a partir do ingresso na Corte de Luiz Roberto Barroso e
Teori Zavascki. Em companhia de Lewandowski, de Antonio Toffoli e das
ministras Rosa Weber e Carmen Lucia, o STF começa a girar em torno de um
novo centro de gravidade, que na semana passada permitia prever com
alguma margem segurança, mas sem certezas absolutas, que, nesta
quinta-feira, na discussão sobre crime de lavagem de dinheiro, Joaquim
Barbosa também possa ser derrotado na última votação sobre embargos
infringentes da Ação Penal 470, que julga o mensalão.
No plano da jurisprudência, nem o mais atrevido dos futurólogos
consegue enxergar tendências definitivas quando o STF começar a
enfrentar o dilema que acompanha a rotina das cortes superiores do mundo
inteiro – assumir a vocação de tribunal constitucional, dedicado à
garantia de direitos e à interpretação da Lei Maior, ou um tribunal que
atua como corte criminal, com a última palavra para casos específicos.
Caso Joaquim confirme sua saída, serão abertas duas novas vagas no
STF, pois Celso de Mello tem dito a colegas que planeja aposentar-se
também em 2014, embora só vá atingir a idade limite de 70 anos no ano
que vem. Parece inevitável, de qualquer modo, um recuo do “ativismo”
judiciário que dominou a corte nos últimos tempos, quando os ministros
se dedicavam a avançar uma jurisprudência que não se encontrava definida
na Constituição, assumindo o comportamento de quem, nas palavras do
jurista gaúcho Lenio Streck, em vez de fazer a “ filtragem das leis
inconstitucionais”, passou a achar que sabia “mais do que o
constituinte.”
Na nova composição, também parece provável o fortalecimento de uma
visão “garantista”, corrente nascida no direito italiano que privilegia
as garantias oferecidas ao indivíduo em detrimento da capacidade de
punir assegurada ao Estado. Embora tenha sido um dos mais duros
ministros da Ação Penal 470, Gilmar Mendes marcou sua passagem pela
presidência do STF como um ministro preocupado com direitos
fundamentais, capaz de criar uma súmula vinculante destinada a
regulamentar o uso de algemas por parte da polícia cujo traço principal
reside na preservação dos direitos individuais e num esforço contra
abusos por parte da polícia.
Fotos: Fabio Rodrigues Pozzebom/ABr; Joédson Alves/IstoÉ; STF
Isto É
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