Reportagem da revista IstoÉ cita duas
investigações na Procuradoria-Geral de São Paulo envolvendo o
ex-governador do PSDB no esquema de cartel do transporte; a primeira
trata da pressão que o tucano exerceu para que a espanhola CAF vencesse
uma licitação durante seu governo (2007-2010); em depoimento revelador,
ex-dirigente da Siemens Nelson Branco Marchetti conta que foi
pressionado por Serra a desistir de medidas judiciais para anular a
vitória da empresa; outro processo investiga omissão do tucano em
relação ao esquema, uma vez que ele recebeu alertas do Tribunal de
Contas, Ministério Público e até do Banco Mundial sobre o caso; há ainda
apuração de contratos suspeitos de irregularidades
247 – O envolvimento do ex-governador de São
Paulo José Serra (PSDB) no esquema de cartel do metrô, que envolve
agentes públicos e políticos tucanos, está cada vez mais confirmado.
Investigações em curso na Procuradoria-Geral do Estado atuam em duas
frentes: na pressão que o tucano teria exercido para beneficiar empresas
no setor de transporte, durante seu governo, e a omissão do
ex-governador diante do esquema, uma vez que teria recebido alertas
sobre ele. Há ainda a apuração de irregularidades em contratos para a
prestação de serviços ao setor, firmados durante a gestão de Serra.
Em um depoimento revelador, noticiado em reportagem da revista IstoÉ dessa
semana, o ex-dirigente da Siemens Nelson Branco Marchetti conta "ter
sido pressionado pelo próprio governador José Serra a desistir de
medidas judiciais para anular a vitória da espanhola CAF, em um certame
para o fornecimento de 320 vagões". Caso a Siemens avançasse nas ações
judiciais, Serra anularia a licitação, segundo o delator. Em outro
depoimento, ele revela que dirigentes do Metrô e da Secretaria de
Transportes Públicos sugeriram que sua empresa se associasse à Alstom
para vencer uma licitação.
Leia abaixo a íntegra da reportagem, assinada pelo jornalista Pedro Marcondes de Moura:
Por que Serra está na mira do MP
Conheça as
investigações do Ministério Público que apontam o envolvimento do
ex-governador tucano com a máfia dos trilhos em São Paulo. Depoimentos
revelam que José Serra fez pressão para beneficiar empresas do cartel
Por Pedro Marcondes de Moura
Apesar das evidências do envolvimento do ex-governador José Serra
(PSDB) com o cartel de trens e o propinoduto em São Paulo, desde o
surgimento das primeiras denúncias em junho do ano passado o tucano tem
procurado se desvincular do escândalo. Com verdadeiras ginásticas
verbais, Serra tenta explicar o inexplicável. "Qualquer manual
anticartel nos daria razão. Ganharíamos a medalha anticartel", declarou
Serra na última semana, sem levar em conta que foram as próprias
empresas integrantes do cartel que confessaram a prática criminosa e
lesiva aos cofres públicos paulistas durante os governos do PSDB,
apontando inclusive a participação de políticos e agentes públicos no
esquema. Agora, sobre a mesa do procurador-geral de São Paulo, Álvaro
Augusto Fonseca, há dois procedimentos investigatórios sobre o
envolvimento do tucano com a máfia dos trilhos. O primeiro refere-se à
pressão exercida por Serra para que a empresa espanhola CAF vencesse uma
licitação de fornecimento de trens para a CPTM durante sua gestão como
governador (2007 e 2010). O outro apura a omissão do tucano diante das
fraudes cometidas pelo cartel, já que ele, também na condição de
governador, recebeu uma série de alertas do Tribunal de Contas,
Ministério Público e até do Banco Mundial. Em paralelo, as autoridades
ainda investigam contratos celebrados durante a administração de Serra
que foram considerados lesivos ao erário. Entre eles, a bilionária
modernização de trens do Metrô e a implementação do sistema CBTC. A obra
encontra-se até hoje incompleta.
Em ofício, o promotor Marcelo Milani diz haver indícios da ligação de
Serra em licitações investigadas por fraudes na CPTM. "Segundo os
delatores (executivos da Siemens), era realizada toda sorte de
falcatruas e combinações para a conquista de contratos", escreveu
Milani. "Ficou claro que todas as licitações de determinado período (que
compreende o governo Serra) foram baseadas em atos ilícitos",
complementou. Ao apurar o pagamento de propina e outras irregularidades
em um acordo firmado entre a Alstom e a CPTM para manutenção de trens da
série 7000, o MP chegou a um depoimento revelador dado à Polícia
Federal. Nele, Nelson Branco Marchetti, ex-dirigente da Siemens, diz ter
sido pressionado pelo próprio governador José Serra a desistir de
medidas judiciais para anular a vitória da espanhola CAF, em um certame
para o fornecimento de 320 vagões. A CAF não atendia a exigência mínima
de capital social pedida no edital de licitação, em que a Siemens ficou
na segunda colocação. Mesmo assim, Serra insistiu para que a Siemens não
recorresse e, assim, beneficiasse a CAF. "Releva notar que o delator
diz ter participado de tratativas, na Holanda, com agentes do governo do
Estado de São Paulo. Especialmente o então governador José Serra", diz o
promotor. Ainda chamou a atenção das autoridades a proposta nada
republicana oferecida pela cúpula do governo Serra para pôr fim ao
imbróglio: que as empresas se acertassem entre si e a Siemens fosse
subcontratada para tocar um terço do projeto. Para Milani, ao agir dessa
maneira, o Estado, durante o governo Serra, acabou por incentivar a
formação do cartel. Ao final, a sugestão não foi acatada e a CAF
forneceu sozinha os trens, ou seja, aconteceu o que Serra almejava desde
o início.
Em outro depoimento, desta vez ao Ministério Público, Marchetti
narrou um insólito caso que demonstra a inequívoca ligação de Serra com
as empresas do cartel de trens em São Paulo. Segundo Marchetti, durante o
governo do tucano, tanto ele como executivos da Alstom foram convidados
a um encontro por dirigentes do Metrô e da secretaria de Transportes
Metropolitanos. Na reunião, os agentes públicos incentivaram as duas
companhias a se associarem para vencer a licitação do sistema de
sinalização dos trens das linhas 1, 2 e 3 do Metrô. Os executivos ainda
sugeriram que a estatal licitasse a sinalização linha por linha,
triplicando a concorrência. Mas integrantes do governo Serra sinalizaram
que queriam a vitória de um consórcio formado pelas duas empresas para
as três linhas. A Alstom acabou ganhando sozinha o contrato para o
fornecimento do CBTC. O sistema até agora não foi plenamente instalado,
gerando inúmeros problemas aos usuários e levando ao bloqueio de
pagamentos pelo Metrô, na gestão do governador Geraldo Alckmin. A
companhia francesa alega que foi decidido fazer a "implementação
operacional em fases".
Na gestão Serra, concentraram-se também os controversos contratos de
reformas de trens com mais de quatro décadas de funcionamento. Em outros
metrôs pelo mundo, as locomotivas estariam aposentadas. Não à toa, os
veículos entregues apresentam problemas de operação. Na versão oficial, a
modernização dos 98 veículos das linhas 1 e 3 do Metrô paulista trariam
uma economia de 40%. No entanto, investigações do MP apuraram que as
reformas custaram mais do que vagões novos vendidos pelas mesmas
empresas em outros locais. A constatação veio com o depoimento de um
ex-diretor do Metrô, Sérgio Correa. Ele revelou que a estatal não previa
no orçamento "o chamado truque, bem como a caixa que importariam em 40%
do custo final". Mas esses e outros itens foram licitados e trocados. A
falta de concorrência na disputa dos quatro lotes da "modernização"
também fez com que os acordos fossem fechados a valores acima dos
previstos em tomadas de preços com as próprias vencedoras dos certames. A
reforma, que se encontra suspensa, foi alvo, segundo o MP, de
superfaturamento de aproximadamente R$ 800 milhões. As autoridades
tentam agora obter a devolução do dinheiro. A Alstom admite que está
"enfrentando acusações", mas ressalta que implementa regras "de
conformidade e ética". Autora de denúncia do cartel, a Siemens diz
colaborar para que "as autoridades competentes possam prosseguir com
suas investigações". Procurados, a CAF e o ex-governador José Serra não
responderam os questionamentos feitos por ISTOÉ.
Outra investigação em curso pelo Ministério Público apura a prática
do crime de improbidade administrativa pelo ex-governador do PSDB. O MP
quer saber a razão de o tucano ter mantido a execução de contratos
firmados por empresas do cartel com a CPTM e o Metrô, apesar de seguidos
alertas dados pelos promotores e pelo Tribunal de Contas do Estado
(TCE) dizendo que eles eram prejudiciais aos cofres públicos. A
informação sobre os alertas, encaminhados a presidentes das estatais e
publicados no "Diário Oficial", foi revelada, em agosto, por ISTOÉ. Em
fevereiro de 2009, por exemplo, o TCE constatou desvios e
direcionamentos em licitações da CPTM. Ao analisar um recurso, o
conselheiro Antonio Roque Citadini concluiu que a estatal adotou uma
conduta indevida ao usar uma licitação para fornecimento de 30 trens com
o consórcio Cofesbra, realizada em 1995, para comprar 12 novos trens
mais de uma década depois. Citadini revelou à ISTOÉ que o governo foi
avisado inúmeras vezes das evidências de falcatruas.
O Ministério Público também disparou vários avisos de
irregularidades, que Serra preferiu ignorar. Ao apurar um acordo do
Metrô com a CMW Equipamentos S.A, o órgão declarou: "A prolongação do
contrato por 12 anos frustrou o objetivo da licitação, motivo pelo qual
os aditamentos estariam viciados". Na ocasião, a CMW Equipamentos foi
incorporada pela Alstom. Os promotores também apontaram para fraudes
numa série de contratos firmados com outras companhias. Ainda assim,
Serra insiste em se dizer merecedor de uma medalha.
Brasil 247
Nenhum comentário:
Postar um comentário