São Paulo - Jornalistas, intelectuais e ativistas
políticos de 15 países de quatro continentes, reunidos em São Paulo (SP)
para o lançamento do novo portal Carta Maior, refundaram na quarta (9) o
Observatório Global da Mídia (Media Watch Global – MWG), uma ferramenta
de monitoramento, análise e denúncia do comportamento política da
imprensa, que havia sido lançada durante a edição de 2002 do Fórum
Social Mundial (FSM), em Porto Alegre. O diretor da edição espanhola do
Le Monde Diplomatique, Ignacio Ramonet, foi eleito presidente do MWG,
que terá sua sede em Paris, na França.
Ramonet, um dos
fundadores do Observatório em 2003, lembrou que a ferramenta surgiu da
necessidade de se refletir sobre quem detinha o poder no marco da
globalização. “Nós entendíamos que o poder financeiro, sozinho, não
exercia a mesma influencia do que com o apoio do poder ideológico
decorrente do midiático. Portanto, nós dizíamos que combater a
globalização era combater o poder financeiro e o poder midiático, que
andam juntos”, afirmou.
Ele explicou que, na época, a luta
contra o poder midiático ganhou contornos de urgência porque, em abril
de 2002, a esquerda mundial havia assistido, atônita, um golpe midiático
contra a República Bolivariana do ex-presidente Chaves. Conforme
Ramonet, um golpe diferente dos que marcaram as ditaduras
latino-americanas, porque foi elaborado diretamente pelos donos dos
veículos de comunicação.
No âmbito do FSM, ele divulgou um texto
teórico chamado “O Quinto Poder”, em que propunha a criação do
observatório, além da organização de jornalistas, intelectuais,
professores e também os consumidores para se defender do poder
midiático. A iniciativa ganhou apoio em vários países e resultou na
criação de dezenas de observatórios locais mundo afora. “Da qualidade
dos meios de comunicação, depende a qualidade da democracia”, ressaltou.
Hoje,
o editor do Le Monde Diplomatique avalia que a conjuntura mudou muito.
“Podemos sacar as lições do que ocorreu com as 40 ou 50 propostas de
observatório da mídia que surgiram no mundo, dos quais, hoje, apenas
dois ou três estão ativos. Ou seja, há uma dificuldade concreta de levar
a cabo esse trabalho. O mais fácil é criar o observatório. O mais
difícil é que este observatório produza uma leitura crítica sobre o
funcionamento da mídia”, observou.
Ramonet avaliou também que,
de lá para cá, os meios alternativos explodiram: rádios, TV, impressos e
internet. “A necessidade concreta de organização desses meios é o mais
importante, em especial na América Latina onde o debate sobre a
comunicação é central. Os meios atacam os governos com toda a classe de
argumentos ou falsidades. E os governos respondem com leis, mídia
governamental, mídia pública, enquanto a direita também usa os
observatórios para precisamente fiscalizar os meios públicos e tentar
demonstrar que os governos estão levando a cabo uma política de controle
ideológico”, contextualizou.
Para o intelectual, é mais
importante do que nunca retomar este observatório. “A dificuldade
política é muito mais elevada do que há dez anos. Mas esta não é uma
razão para dar marcha ré, é sim uma razão para seguir adiante, com a
consciência de que vencer essas dificuldades é avançar para um
desenvolvimento democrático indiscutível”, concluiu.
Propostas concretas
O
diretor da Carta Maior, Joaquim Palhares, que era o vice-presidente do
MWG, foi o responsável pela rearticulação do grupo, que recebeu a adesão
imediata de jornalistas e intelectuais do Brasil, Argentina, Uruguai,
Bolívia, Venezuela, Equador, México, Chile, Estados Unidos, Portugal,
Espanha, França e Índia.
Segundo ele, o convite para
participação no Observatório será estendido a intelectuais de outros
países que não puderam participar do ato de refundação. O objetivo,
segundo ele, é aprofundar a construção de um ambiente crítico de
reflexão sobre a mídia, que não pode mais ser apenas um espaço de defesa
do capital.
Palhares se comprometeu a apresentar, em até 30
dias, proposta de carta de princípios e estatuto do observatório, para
ser aprovado pelos novos membros. A inspiração, conforme Palhares, virá
das experiências concretas de outros observatórios que lograram êxito,
como o criado pela Universidade Central da Venezuela, que ainda está em
funcionamento, com trabalhos prestados não só à democracia do país, mas
de toda a América Latina.
A coordenadora do Observatório de
Mídia da Venezuela, a socióloga Maryclén Stelling Macareno, saudou a
iniciativa e colocou toda a tecnologia já desenvolvida pelo seu grupo à
disposição da MWG. “Nós já desenvolvemos uma metodologia para
acompanhamento das eleições”, disse ela, acrescentando que coordenou o
acompanhamento dos últimos seis pleitos na Venezuela, além de eleições
em outros países latino-americanos, como na Bolívia e Equador.
Palhares
também solicitou o apoio dos jornalistas e intelectuais que, ao lado
dele, participaram da criação do Observatório Brasileiro de Mídia,
também na década passada. Entre eles, o pesquisador da Escola de
Comunicação e Artes da USP, Laurindo Leal Filho, o jornalista e assessor
especial da presidência Carlos Tibúrcio e o sociólogo Emir Sader,
dentre outros.
O diretor elogiou o trabalho desenvolvido pelo
grupo à época, que denunciou a manipulação da imprensa durante as
eleições municipais de São Paulo em 2006, mostrou como a mídia sufocava o
debate sobre questões sindicais e desvelou o preconceito reiterado nas
matérias sobre questões de gênero, entre outros importantes trabalhos.
“A
combinação de interesses econômicos e políticos dos grupos regionais e
nacionais de mídia brasileira reflete diretamente na qualidade da
informação oferecida ao público. As manipulações, as mentiras e a
banalização dos fatos passaram a fazer parte da rotina da grande
imprensa brasileira. Precisamos estar atentos, denunciar esses fatos e
prestar ao público uma informação crítica de qualidade”, afirmou.
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