12 de março de 2014 | 11:39 Autor: Fernando Brito
Matéria do Estadão, ontem à tarde e, hoje, na página 16.
Um trabalho corretíssimo dos repórteres Fábio Leite e Ricardo Brant que mostra aquilo que há dias este Tijolaço afirma: o sistema Cantareira não pode entrar em colapso, ele já está em colapso irreversível.
Seus principais reservatórios, o Jaguari-Jacareí – 82% da capacidade
total, tinham ontem 9,92% de água. Hoje cedo eram 9,73%. Amanhã, 9,5%.
Não é adivinhação, são os exatos 1,5 bilhão de litros de déficit entre o
que entra e o que sai deles. Um pouco mais, um pouco menos, graças á
chuva benfazeja que vem caindo sobre São Paulo.
Mas que não sustentam nem mesmo o consumo diário.
Fábio e Ricardo revelam que Geraldo Alckmin não vai reconhecer o
óbvio: que a a água precisa ser minimamente racionada para que o
abastecimento de São Paulo não fique irremediavelmente comprometido.
Ele sabe que o Cantareira, como sistema, não tem mais que um mês ou
poucos dias mais que isso – salvo por chuvas torrenciais, porque não
bastam nem chuvas fortes – e subscreveu um plano completamente insano de
“saída” desta situação que, nos seus cálculos, vai evitar o desgaste
eleitoral do racionamento.
Porque com 5% de água Cantareira já não será um sistema, com capacidade de transferir água e otimizar seu aproveitamento.
E este limite está perigosamente próximo nas maiores barragens.
Exatos 38,2 bilhões de litros, ou 25 dias de consumo em ritmo atual.
Daí em diante, Jaguari-Jacareí param de mandar água para os demais
reservatórios, que têm mais 50 bilhões de litros de água útil, ou pouco
menos, porque a represa “do meio”, Cachoeira, não pode ser usada até seu
limite, porque a ela cabe transferir, apenas por gravidade, a água que
um imenso conjunto de bombas de sucção, que custaram R$ 80 milhões,
tire água “morta” do Jaguari-Jacareí ( 239 bilhões de litros de água e
lama, dos quais talvez menos da metade consiga ser bombeada, porque
grande parte vai ficar presa em pequenas lagos, pela extensão do
reservatório) e, sobretudo, do Atibainha, que é um funil estreito, com
25 metros de profundidade abaixo do nível mínimo, do qual podem sair
cerca de seis metros de nível até atingir a saída de água para o Rio
Piracicaba, alimentado também pelo Jaguari.
Com esta água, no limite, Alckmin foi convencido de que chega até as eleições.
Pode mesmo chegar, no limite, se o período de seca não for padrasto.
Como pode não chegar e lançar a maior cidade do continente e centro da
economia brasileira num completo caos.
Uma coisa ou outra com consequências estruturais terríveis para o
Cantareira, desastre ambiental em toda a extensão da bacia do Piracicaba
e risco elevadíssimo de contaminação, seja pela formação de bolsões
d´água parada no Jaguari-Jacareí, seja porque o fundo do Atibainha é um
enigma.
Depois? Depois é depois, como no 1 real=1 dólar de FHC
Mesmo assim, com este extenso material e dados que indicam toda a
seriedade da situação, o Estadão teu apenas uma chamada microscópica na
primeira página.
A Folha, que deu na sua versão online o mesmo alerta, embora de forma menos completa, no trabalho do repórter Lucas Sampaio, nem isso.
Deu chamadinha para a cheia em Rondônia e 20 vezes mais espaço para o avião da Malásia.
No início da minha carreira, aprendi como o lendário Raul Azêdo, que
“um fusca que cai no Canal do Mangue (no centro do Rio) é mais
importante que um boeing que cai no Japão.”, um chiste para mostrar como
a proximidade com os problemas e a vidado leitor é a régua do
jornalismo.
Nos jornais de São Paulo, por cegueira para com o trabalho de seus
profissionais ou por cumplicidade política com o PSDB, seus diretores e
editores não dão a menor bola para a vida de quem os lê.
Tijolaço
Nenhum comentário:
Postar um comentário