Paulo Moreira Leite
Diretor da Sucursal da ISTOÉ em Brasília, é autor de "A Outra História do Mensalão". Foi correspondente em Paris e Washington e ocupou postos de direção na VEJA e na Época. Também escreveu "A Mulher que Era o General da Casa".
Quem critica escolha de dois ministros que ajudaram a derrubar crime de quadrilha deveria lembrar como foi escolha de Joaquim Barbosa
Em tom de acusação mal
disfarçada, comentaristas de veículos conservadores tem divulgado a
versão, lançada por Joaquim Barbosa apos a derrota no julgamento dos
embargos sobre formação de quadrilha, de que a mudança deve ser
atribuída a dois ministros indicados por Dilma Rousseff para o STF, Luiz
Roberto Barroso e Teori Zavaski.
Eu acho inacreditável que se possa sugerir que Barroso e Zavaski entraram no julgamento como votos de cabresto.
Nessa visão, o julgamento da AP
470 foi tão imaculado, tão patriótico, que qualquer dissidência só se
explica por motivos baixos.
O fundo desse
raciocínio é esconder a decepção profunda de quem esperava que o debate
sobre embargos fosse uma simulação, um joguinho de aparências para
livrar a cara do STF depois que vários aspectos condenáveis do
julgamento – como a ausência de um segundo grau de jurisdição --
começaram a causar constrangimento entre juristas respeitados, dentro e
fora do país.
Por fim, vamos
começar lembrando o seguinte. Qualquer que seja sua opinião sobre a
qualidade dos dois novos ministros, sua isenção, sua competência, será
difícil negar que, em qualquer caso, a escolha dos dois obedeceu a
critérios mais adequados e consistentes, do ponto de vista da Justiça e
do Direito, do que os métodos empregos em 2003, quando Luiz Inácio Lula
da Silva escolheu Joaquim Barbosa para integrar o STF. Por exemplo.
Tanto para indicar Zavaski como
para apontar Barroso a presidente deixou de lado questionáveis
critérios extrajurídicos que tiveram peso na escolha de Joaquim. Lula
deixou claro, em 2003, que pretendia quebrar um parâmetro no STF e
decidiu escolher um jurista negro para ocupar uma das vagas em aberto. A
partir daí, em várias consultas, o ministro da Justiça Marcio Thomaz
Bastos começou conversar com possíveis candidatos. Fez duas
entrevistas, gostou dos nomes, mas os dois candidatos possuíam
impedimentos maiores. O governo até pensou em desistir por um momento
mas já era tarde.
A notícia de que Lula pretendia
indicar um negro para o STF fora divulgada pela coluna de Monica
Bergamo, na Folha, colocando os movimentos de luta contra o racismo de
pé, cobrando a nomeação. Foi assim que surgiu o nome de Joaquim Barbosa,
que havia se apresentado a um velho amigo de Lula, Frei Betto, numa
sala de espera da Varig. A candidatura teve um apoio social importante,
muito além de lideranças do movimento negro. Então um sindicalista de
prestígio no governo Lula, o próprio Henrique Pizzolato – hoje foragido
na Itália – foi acionado para ajudar na escolha de Joaquim e defendeu
seu nome junto a Gilberto Carvalho.
Cabe fazer outras considerações em torno das insinuações baixas sobre Barroso e Barbosa.
Seria uma observação razoável
se Luiz Fux, o ministro que comparou o PT ao bando de Lampião, não
tivesse sido nomeado, ele também, por Dilma.
Sublinhando dois votos novos,
como se fossem inaceitávais, sem fundamemento jurídico, estamos falando
de uma contabilidade conveniente, onde números aparecem quando
interessa e desaparecem quando convém.
Com ela, pretende-se esconder vários fatos jurídicos e políticos relevantes.
O primeiro é a fragilidade da denúncia sobre o crime de quadrilha do ponto de vista de vários juristas respeitáveis.
Eles consideram difícil
imaginar que José Dirceu, José Genoíno, Delúbio Soares e tantos outros
condenados tenham se associado para cometer crimes – e não para fazer
política.
Você pode até afirmar que cometeram atos ilícitos. Pode apontar desvios.
Mas para acreditar que trocaram
a luta política para se transformar numa espécie de criminosos de
colarinho branco é preciso encontra provas e fatos mais consistentes do
que a teoria do domínio do fato.
Uma quadrilha é formada por pessoas que cometem crimes com a finalidade de cometer mais crimes.
Não se iludam.
Se a denúncia de
formação de quadrilha fosse mais do que a literatura agressiva, bem
arquitetada mas oca que se ouve no STF desde 2006, o placar teria sido
outro. É isso que se quer esconder no debate para fingir que tudo pode
ser resumido a uma troca de favores.
Um dado essencial
na decsäo é a perda de autoridade de Joaquim Barbosa entre colegas.
Acompanhada de um comportamento interno, autoritário, parcial e
grosseiro, a movimentação política-eleitoral de Joaquim diminui sua
credibilidade como presidente do STF.
Vários ministros se perguntam o
que ele faz por convicção jurídica, o que faz por interesse político. E
muitos se perguntam o que fará com eles próprios – diante das câmaras
de TV -- caso sintam necessidade de divergir do presidente.
O que se viu no debate sobre formação de quadrilha é que o plenário começou a reagir a Joaquim.
Quando ficou claro que o
presidente pretendia encerrar a sessão de qualquer maneira, na
quarta-feira, o que deixaria Barroso solitário em seu voto contra o
crime de quadrilha, ocorreu uma cena outrora impensável. Joaquim foi
interrompido por Carmen Lúcia, que pediu que os demais ministros
antecipassem seus votos, mostrando quem é que estava em minoria.
O dia terminou em 4 a 1 contra
Joaquim, impedindo que se repetisse, desta vez, o circo dos meios de
comunicação para socorrer o presidente do STF, como se fez contra Celso
de Mello no debate sobre os embargos.
O discurso de
Joaquim, após a derrota, foi ouvido em silêncio por um plenário que já
não lhe dá muita atenção. Foi um pronunciamento agressivo, impróprio e
inócuo. Ofendeu Dilma. O presidente do tribunal disse que fazia um
alerta a Nação, o que é absolutamente inapropriado para um juiz e sempre
serve como advertência quando colocada na boca de um candidato.
Falar à Nação? Ame-o Ou Deixe-o? Salvador da Pátria?
Isso é coisa para um juiz?
A tentativa de
denunciar – o que é verdade -- que os ricos tem tratamento preferencial
na Justiça enquanto pobres são condenados com muito mais frequência
ficou prejudicada pelo currículo de seus companheiros de voto. Você pode
gostar ou não de quem se aliou a Joaquim. Pode reconhecer méritos e
conhecimentos jurídicos em sua história. Ou pode identificar, ali, casos
de desprezível oportunismo. Mas foi com essas pessoas que ele tentou
impedir, de qualquer maneira, que o STF corrigisse um erro de oito anos.
Um dos ministros absolveu
Fernando Collor. Outro deu habeas corpus para o banqueiro Salvatore
Cacciola. Um terceiro abriu a porta da prisão, duas vezes, para o
banqueiro Daniel Dantas. O quarto foi atrás de ricos, pobres e até
acusados da Ação Penal 470 para conseguir apoio para vestir a toga do
STF.
O
terceiro fato relevante da decisão envolve, sim, os dois novos juízes.
Luiz Roberto Barroso e Teori Zavaski demonstraram, no julgamento, uma
cultura jurídica consistente, de quem tem argumentos próprios para tomar
decisões e não se deixa intimidar. Se a experiência ensina que até os
melhores juízes são miseravelmente humanos, e nenhum deles está
inteiramente vacinado contra pressões e valores de sua época, os dois
demonstraram ali, quando era previsível que receberiam as críticas
feitas agora, que seu conhecimento e suas convicções teriam mais
importância na tomada de decisões do que outros fatores.
Assumiram posturas coerentes com aquilo que sempre disseram em outras ocasiões. Sempre foram elogiados por seus argumentos. O simples fato de votarem contra um capítulo do “maior julgamento da história” deve coloca-los sob suspeita?
Com o aposentadoria antecipada
de Joaquim Barbosa, que confirmou a saída em breve até para Dilma
Rousseff, o STF entrará em nova fase. Novo presidente, Ricardo
Lewandovski sai da AP 470 maior do que entrou. Mostrou personalidade
para manter suas convicções ainda que o comportamento intolerante de
Joaquim em plenário tenha servido de estímulo a reações selvagens quando
andava na rua.
Também teve capacidade para apontar pontos fracos em vários momentos do julgamento.
Lewandovski se manifestou a
favor do desmembramento, em agosto de 2012, abrindo um debate necessário
que se prolonga até hoje, quando o STF terá de julgar a renuncia de
Eduardo Azeredo.
Lewandovski ainda registrou o
agravamento artificial das penas pelo crime de quadrilha, num
levantamento que seria empregado por Barroso e Zavaski na quinta-feira.
Se, em setembro passado, foi
Celso de Mello quem deu o voto decisivo que permitiu aos réus
apresentarem seus embargos infringentes, única chance de uma revisão do
julgamento, limitada e especialíssima, Lewandovski ajudou a cimentar a
base de ministros que formou a maioria daquela vez.
Embora tenha sido derrotado na
maioria das votações da ação penal 470, assumiu a postura respeitosa que
se revelou vitoriosa no fim. Podia perder no voto mas ganhava na
atitude.
Como revisor, ele foi tratado
como um inimigo -- sim, inimigo -- pelo relator e depois presidente da
corte, que poucas vezes agiu com a isenção que se espera de um juiz.
Quase sempre em minoria, Lewandovski foi um dos arquitetos do ambiente
de tolerância e abertura à divergência, que levou aderrota do crime de
quadrilha e permite aguardar por um debate maduro sobre os embargos que
envolvem o crime de lavagem de dinheiro.
Isto É
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