Diretor do Instituto Lula, Luiz Soares Dulci
afirma, em entrevista à jornalista Marilza de Melo Foucher, cedida ao
247, que desde que deixou a presidência, o petista vem se dedicando à
cooperação internacional, e que esse é o foco da entidade que leva seu
nome; "definimos para o Instituto duas linhas prioritárias de trabalho:
estimular a integração da América Latina e cooperar para o
desenvolvimento da África", diz ele
Por Marilza de Melo Foucher, para o 247
Biografia
Luiz Soares Dulci (1956) foi Ministro-Chefe da Secretaria Geral da
Presidência da Republica no Governo Lula. Formado em Letras Clássicas
pela Universidade Federal do Rio de Janeiro-1974. Foi professor
universitário, militante do Sindicato dos Professores no Rio de Janeiro e
Minas Gerais. Coordenou as primeiras greves dos trabalhadores do ensino
Publico, participou na fundação da grande Central Única doa
Tabalhadores –CUT e foi também um dos fundadores do PT (1980).
Luiz Dulci entrou na vida parlamentar em 1982 tendo sido eleito
deputado federal na primeira bancada do Partido dos Tabalhadores – PT.
Foi um dos coordenadores da campanha de Lula à presidência em 2002.
Abaixo, os principais trechos da entrevista:
1 - Por que o Instituto Lula atua principalmente a nível internacional?
Quando saiu da Presidência, Lula disse que iria dedicar-se sobretudo à
cooperação internacional. Isso não significa, é claro, que ele tenha se
afastado das questões brasileiras. Ao contrário: tem apoiado com
entusiasmo o governo Dilma, os partidos progressistas e as organizações
populares. Dialoga permanentemente com eles, não só na sede do
Instituto, em São Paulo, mas nas suas inúmeras viagens pelo interior do
país. E mantém contatos com os intelectuais, os sindicatos, a juventude,
as igrejas, o empresariado. Mas o seu papel agora, evidentemente, é
outro. Ele não se pronuncia sobre temas que são da competência da
Presidenta Dilma, a não ser para apoiar as suas decisões ou defendê-la
dos ataques cada vez mais furiosos da direita. É por isso que definimos
para o Instituto duas linhas prioritárias de trabalho: estimular a
integração da América Latina e cooperar para o desenvolvimento da
África.
2 – Qual é o foco do trabalho do Instituto na América Latina?
É a própria integração regional. A América do Sul e a América Latina,
como se sabe, tiveram avanços extraordinários na última década. A
maioria dos países tem governos progressistas que conseguiram virar a
página catastrófica do neoliberalismo, retomando o crescimento
econômico, distribuindo renda e promovendo uma vasta inclusão social. A
integração avançou bastante, principalmente nos aspectos comercial e
político. Basta dizer que, em 2002, segundo a CEPAL o comércio entre os
países latino-americanos era de US$ 33 bilhões; hoje, é de US$ 137
bilhões. E pode ser muito maior, pois somos um mercado de 400 milhões de
habitantes, com enorme horizonte de expansão. Governantes das mais
diversas orientações ideológicas perceberam que, unida, a região
consegue defender melhor os seus legítimos interesses e tem maior peso
nas decisões globais. Assim, foi possível criar a UNASUL – União das
Nações Sul-Americanas, e a CELAC – Comunidade dos Estados
Latino-Americanos e Caribenhos. E elas já estão cumprindo um papel
importante. Mas há uma consciência geral de que é preciso acelerar o
processo de integração, incluindo outras dimensões que são também
estratégicas. Recentemente, o Instituto Lula promoveu um grande
seminário no Chile, em parceira com a CEPAL, o BID e a CAF, reunindo
lideranças políticas e sociais dos vários países, para debater propostas
de integração física, energética, financeira, trabalhista, de políticas
sociais, culturais, ambientais etc... É preciso popularizar a causa da
integração, envolvendo cada vez mais o cidadão comum. Nos últimos três
anos, Lula fez 30 viagens na região, discutindo com os mais diversos
setores sociais a necessidade – e a oportunidade – de avançar na
integração.
3 – Por que o Instituto decidiu priorizar o continente
africano? Inclusive percebe-se que o Instituto Lula presta solidariedade
não somente na África dita lusófona. Por que esta relação sul/sul é tão
necessária?
Os laços históricos, culturais – e morais – entre o Brasil e a África
são fortíssimos. Como se sabe, metade da população brasileira é de
origem africana. A Africanidade está presente em todos os aspectos da
nossa existência coletiva: na língua, nos costumes, nas artes, na vida
espiritual. Para o Brasil, cooperar com a África é ao mesmo tempo um
impulso natural e uma obrigação política.
Por outro lado, é a primeira vez na história que a África e a América
Latina atravessam simultaneamente um largo período de crescimento
econômico. Neste século, a África tem crescido em média 5% ao ano e essa
situação deve perdurar por um bom período.
O crescimento econômico cria condições para que os países da África,
tal como estão fazendo a maioria dos países latinos americanos,
modernizem e fortaleçam as suas economias e, sobretudo, promovam um
verdadeiro desenvolvimento social, capaz de combater com eficácia a fome
e a pobreza, gerando empregos em escala massiva, ampliando e melhorando
os sistemas de educação e saúde e universalizado os direitos de
cidadania.
O governo brasileiro acompanha com atenção esse processo, e o apoia
ativamente, desde que Lula assumiu a presidência, em 2003. Durante seus
dois mandatos, Lula fez 33 viagens a 26 países africanos, ampliando o
nosso intercâmbio político, tecnológico, universitário, cultural e
empresarial. E a presidenta Dilma manteve essa prioridade.
Uma decisão fundamental do nosso governo foi a de incorporar o ensino
de História da África ao currículo de todas as escolas brasileiras.
O Instituto Lula, além de apoiar as iniciativas governamentais,
procura mobilizar os diferentes segmentos da sociedade brasileira para o
diálogo e a cooperação com a África. Foram inúmeras as atividades do
Instituto nesse sentido. E ele já se tornou uma referência importante
para os brasileiros e africanos dispostos a se empenhar pela nossa maior
aproximação.
A língua, evidentemente, nos aproxima dos países lusófonos – Angola,
Moçambique, Guiné-Bissau, Cabo Verde, São Tomé e Príncipe – com os quais
nos encontramos regularmente na CPLP. Mas trabalhamos com diversos
outros países, de distintas línguas e culturas, e com as instituições
continentais da África, a exemplo da União Africana e do Banco Africano
de Desenvolvimento.
4 - E quanto à relação sul-sul?
A partir da eleição de Lula, o Brasil passou a apostar
estrategicamente nas relações sul-sul, sem prejuízo das nossas
tradicionais relações com a Europa e a América do Norte. Achamos que
isso é importante para tornar mais equilibrado o sistema econômico e
político internacional e para fazer com que o multilateralismo não seja
apenas retórico, mas efetivo. Na esfera política e diplomática, esse
esforço sul-sul resultou na criação dos BRICS, das cúpulas América
Latina/ África e América Latina/Países Árabes e tornou incontornável a
própria criação do G-20. Mas os resultados em termos de expansão do
comércio e dos investimentos recíprocos também são muito expressivos.
5 – O Brasil parece hoje bem representado nos organismos
multilaterais, entretanto, em termos de imagem na cena internacional
tem-se a impressão de que o Brasil anda perdendo seu espaço. A própria
imprensa internacional não dá hoje o mesmo destaque que dava durante o
governo Lula. Qual a razão?
Até onde eu percebo, alguns segmentos da imprensa europeia e
norte-americana mudaram de posição sobre os chamados países emergentes.
Não foi só com o Brasil, mas também com a Índia, a Turquia, a África do
Sul e vários outros. Até com a China, em certa medida. De repente,
publicações conservadoras como "Economist" e "Financial Times", que
antes não se cansavam de celebrar a consistência e o sucesso dos
emergentes, agora caíram no extremo oposto. Passaram a questionar às
vezes, em linguagem panfletária, as suas supostas "fragilidades",
fazendo todo tipo de criticas e previsões negativas sobre as suas
economias e o seu potencial de crescimento. É claro que isso acaba
afetando, de alguma maneira, os demais veículos de comunicação e
condicionando a "percepção" sobre os emergentes.
Como não há motivos concretos para essa súbita hostilidade, só
podemos atribuí-la a razões ideológicas ou políticas. Será que é porque
nenhum dos emergentes segue a cartilha fracassada do neoliberalismo? Ou
porque todos se recusam à desregulamentação total – e suicida – do
sistema financeiro? Ou porque não aceitam como haviam feito os governos
subalternos da década de 1990, de privatizar as nossas empresas públicas
estratégicas? Será porque insistem em crescer distribuindo? Não sei.
Prefiro acreditar que se trata de uma profunda incompreensão do novo
patamar atingido pelos emergentes. Muita gente não entende que as
economias emergentes, além de terem conseguido crescer de modo acelerado
na última década, também deram um notável salto de qualidade.
Tornaram-se mais profissionais e eficientes. E muito mais rigorosas do
ponto de vista fiscal e monetário. Por isso mesmo, reduziram
drasticamente as suas vulnerabilidades e hoje estão bem mais preparadas
para enfrentar as oscilações do mercado internacional.
6 – Concretamente, como isso se manifesta no caso da economia brasileira?
Uma avaliação objetiva da nossa economia deve partir de dados
concretos. Frente aos preconceitos ideológicos e juízos apressados, os
números são a melhor resposta.
Em 2003, quando Lula assumiu, nosso PIB era de US$ 550 bilhões; hoje,
é de US$ 2,2 trilhões. O país tornou-se a sétima economia do mundo. O
comércio externo, por exemplo, saltou de US$ 118 bilhões para US$ 480
bilhões anuais. O Brasil passou a ser um dos maiores produtores de
automóveis, máquinas agrícolas, alumínio, celulose, aviões; e líder
mundial em etanol, açúcar, laranja, soja e café.
Além disso, a inflação foi reduzida de 12,5% em 2003 para 5,9% em
2013, e se mantém há dez anos dentro da meta fixada pelo Banco Central.
Conseguimos baixar a divida pública de 60,4% do PIB para 33,8%, uma das
menores entre as grandes economias. E o governo Dilma continua fazendo o
esforço fiscal necessário para manter a trajetória de redução da
divida. Por outro lado, em 2003 nossas reservas não passavam de US$ 37
bilhões, mais da metade emprestada pelo FMI. Hoje, são de US$ 377
bilhões, e o Brasil se tornou inclusive credor do Fundo Monetário. Dessa
forma, o país pode administrar com tranquilidade os efeitos decorrentes
de eventuais turbulências externas. Outra prova da sua solidez
econômica é o fato de seguir recebendo grande quantidade de investimento
estrangeiro direto (IED). Só em 2013, foram US$ 62 bilhões.
Como se sabe, o comércio global está estagnado desde 2008. E a crise
internacional obviamente impactou o crédito e o câmbio. Sem dúvida é um
bom sinal que o FED dos Estados Unidos esteja retirando os chamados
estímulos econômicos, mas é claro que isso também diminui a liquidez
global. No entanto, mesmo nessa conjuntura desfavorável, o Brasil
cresceu 2,3% no ano passado, acima de todos os países desenvolvidos e de
boa parte dos emergentes. E terá um crescimento pelo menos igual em
2014.
E o que é mais importante: enquanto o mundo, segundo a OIT, desde
2008 eliminou 62 milhões de empregos, o Brasil criou 10,5 milhões de
novos postos de trabalho. A nossa taxa de desemprego (em torno de 5%) é a
menor da história brasileira. Existe indicador mais evidente da saúde
de uma economia?
7 - Por que então o Brasil viveu aquela onda de manifestações
em junho do ano passado? O que queriam aqueles jovens? As manifestações
ainda continuam?
Todos sabem que os governos de Lula e Dilma tiraram 36 milhões de
pessoas da miséria e levaram 42 milhões para a classe média. O Brasil
fez em doze anos, pacificamente, o que muitos países levaram décadas
para fazer, e com revoluções. O país experimentou uma mobilidade social
enorme. E quem conquista direitos fundamentais, é natural que queira
mais. Por exemplo: O número de estudantes nas universidades passou de
3,6 para 7 milhões; e outros 6 milhões de jovens tiveram pela primeira
vez acesso à qualificação profissional. Agora – e com toda razão, aliás–
esses jovens querem melhor qualidade de ensino. O Brasil tem um sistema
universal de saúde pública, que foi uma grande conquista. Mas é preciso
torná-lo mais ágil e eficiente. Milhões de pessoas, inclusive das
classes populares, puderam comprar o seu primeiro automóvel (a produção
anual passou de 1,6 para quase 4 milhões de veículos). É claro que isso
traz desafios importantes para a mobilidade urbana e o transporte
coletivo. Ou seja: as principais bandeiras daquelas manifestações diziam
respeito à melhoria dos serviços públicos, principalmente transporte e
saúde. Bandeiras com as quais todos nós nos identificamos.
A presidenta Dilma deu pronta resposta ao clamor das ruas, dialogando
com os movimentos e propondo ousados pactos nacionais para resolver os
problemas apontados. Os compromissos que ela assumiu começaram
imediatamente a ser postos em prática. De lá para cá, o governo federal
fez investimentos ainda maiores na saúde, e no transporte, com destaque
para o programa « Mais Médicos", que está tendo grande apoio popular, e
para um conjunto de obras de mobilidade urbana (metrôs, monotrilhos,
corredores de ônibus etc) já em andamento nas capitais dos estados e
outras grandes cidades.
Nem tudo foi resolvido, evidentemente. A solução desses problemas não
se dará por um passe de mágica. Vai exigir um esforço intenso e
continuado, durante vários anos. Depois de junho do ano passado,
contudo, não tivemos mais nenhuma daquelas manifestações massivas.
Esporadicamente, acontecem pequenos atos promovidos pelos chamados
"black blocs", adeptos da violência política, que incendeiam agências
bancárias e casas comerciais e até já provocaram a morte de um
jornalista. São violentos, mas, não passam de algumas centenas em todo o
país. Acho que a maioria dos jovens de junho, contrários à violência,
canalizou seu desejo de mudança para a negociação democrática com o
governo federal, os governos estaduais e as prefeituras.
Brasil 247
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