Por Andrea Haas, esposa de Henrique Pizzolato. Carta publicada originalmente no blog O Cafezinho:
Pizzolato veio para a Itália em busca de refúgio e do direito à
justiça que lhe foram negados em um julgamento político e de exceção
feito na Suprema Corte do Brasil. A carta pública amplamente divulgada
no dia 15/11/2013 já deixou isso bem claro. Foi condenado sumariamente
por um único tribunal, por uma única decisão. Não teve direito a nenhum
recurso, não teve direito a nenhuma revisão da sentença que o condenou a
12 anos e sete meses de prisão mais multa por crimes que não cometeu e
que sequer existiram. Foi “selecionado” para justificar a falsa e grave
acusação que dinheiro público foi utilizado por integrantes do PT e do
governo do PT para comprar apoio político em favor do governo do ex
Presidente Lula. Acusação infundada. Uma grande mentira, pois o dinheiro
dito público, em verdade pertencia à Visa Internacional. O dinheiro
nunca pertenceu ao Banco do Brasil.
O BB Banco de Investimentos S/A era um dos 25 parceiros da
Visanet que tinham obrigações de atingir metas estabelecidas pela Visa
Internacional. No ano de 2000, a Visa América Latina e Caribe determinou
que a Visanet participasse do “Domestic Cooperative Brand Development
Fund”, serviço disponibilizado pela Visa aos membros (participantes que
mantinham contrato com a Visa) com o objetivo de dar suporte ao
crescimento da bandeira (marca Visa). Diante desta determinação, o Fundo
de Incentivo (para marketing) Visanet foi constituído em 2001 no Brasil
e, a ele, foi destinado a porcentagem de 0,1% do faturamento total da
Visa no Brasil. O dinheiro deste Fundo foi disponibilizado aos bancos
parceiros da Visa, que participavam da Visanet, para ser utilizado em
campanhas publicitárias para promover a marca Visa.
A Visanet editou um
Regulamento com todas as regras que deviam ser obedecidas pelos bancos
parceiros que optassem por utilizar o dinheiro do Fundo. Este
Regulamento definia que instâncias diretivas próprias da Visanet tinham
exclusivo poder para decidir tudo o que se referia ao dinheiro do Fundo
Visanet. Desde o ano de 2001, a Visanet sempre pagou diretamente e em
forma de adiantamentos para as agências de publicidade do Banco do
Brasil, para que confeccionassem propagandas da marca Visa e confirmou
que estas propagandas foram efetivamente realizadas. As provas e
documentos que atestam estas afirmações estão no processo e comprovam
que o dinheiro não era público e eram outros os funcionários do Banco do
Brasil e, não Pizzolato, que tinham responsabilidade para gerir e
solicitar que a Visanet efetuasse pagamentos à DNA Propaganda.
Pizzolato foi condenado por receber dinheiro, porque “liberou”
dinheiro da Visanet para a agência de publicidade DNA Propaganda.
Pizzolato nunca “liberou” dinheiro para a DNA. Isto era impossível.
Somente o gestor, funcionário do BB da diretoria de varejo tinha este
poder e de fato, todos os documentos encaminhados à Visanet, inclusive
as solicitações de pagamento, foram assinados por funcionários da
diretoria de varejo. Pizzolato foi acusado por “favorecer” a DNA ao
prorrogar o contrato de publicidade. A prorrogação do contrato foi
decidida em documento assinado pelo conselho diretor do BB (presidente e
sete vice-presidentes) antes de Pizzolato assumir o cargo de diretor de
marketing. O dinheiro dito recebido por Pizzolato, foi para o Diretório
do PT do Rio de Janeiro, como constam em depoimentos que estão no
processo.
Muitos documentos foram desconsiderados por ministros do STF e
ocultados das defesas dos réus da Ação Penal 470. Dentre eles, cito o
Laudo 2828/2006 feito pela Polícia Federal que lista 15 dos maiores
recebedores do dinheiro pago pela Visanet desde o ano de 2001, entre
eles a Tv Globo e Casa Tom Brasil.
Se o Laudo 2828 confirma que muitas empresas foram pagas com o
dinheiro da Visanet, como os acusadores podem afirmar que o mesmo
dinheiro foi desviado para favorecer o PT?
Se estas empresas receberam dinheiro da Visanet, como afirma o
laudo, pela lógica, a investigação deveria ter sido feita para comprovar
se estas empresas realizaram efetivamente os serviços ou se desviaram o
dinheiro para o “esquema” denunciado pelo ministério público.
O Laudo 2828 é emblemático para comprovar os absurdos cometidos
neste julgamento, embora existam muitos outros. Foi feito pela polícia
federal para investigar, contabilmente, a relação entre a Visanet e a
DNA Propaganda. Documentos da Visanet e da DNA foram confiscados
mediante mandado de busca e apreensão. Este laudo apesar de ter sido
feito na fase de investigação, portanto, sem qualquer acompanhamento das
defesas, responde quem eram os responsáveis, desde 2001, perante a
Visanet e perante o Banco do Brasil para gerir o dinheiro do Fundo
Visanet. Nomina quais foram as empresas, ditas “os maiores recebedores”
do dinheiro destinado pelo Fundo Visanet. Pizzolato sequer é citado no
laudo, pois nos documentos apreendidos não existe nenhum assinado por
ele.
Todos os documentos enviados pelo Banco do Brasil à Visanet foram
encaminhados e assinados por outros funcionários de outra diretoria. O
Laudo 2828/2006 foi feito “no interesse do inquérito 2245” como dizem os
peritos no primeiro parágrafo, mas nunca constou do inquérito 2245 que
investigava o chamado “escândalo do mensalão”. Este laudo apesar de já
estar concluído em 20 de dezembro de 2006 – 8 meses antes do julgamento
para aceitação da denúncia que ocorreu em agosto de 2007 – nunca fez
parte do inquérito 2245, portanto os advogados não tiveram acesso a ele
para preparar suas defesas.
O laudo foi para outro inquérito de número
2474, também no STF, mas mantido em segredo de justiça pelo mesmo
relator do inquérito 2245. A existência do Inquérito 2474 nunca foi
informada aos advogados de defesa dos “40” réus da AP 470. O 2474 foi
aberto para separar documentos de investigações que não haviam sido
concluídas(!). Ora, 40 pessoas foram “eleitas” para serem denunciadas
sem que as investigações tivessem sido concluídas?
E, pior, quando o inquérito 2474 foi descoberto, o acesso aos
documentos foi negado aos advogados sob o argumento de que “… os dados
constantes do presente inquérito (2474) não serão utilizados na análise
dos fatos objeto da AP 470, por tratarem de fatos diversos, não havendo,
portanto, qualquer cerceamento do direito de defesa”.
Como dizer que não houve cerceamento de defesa se um documento,
um Laudo, que dizia respeito a todos os acusados foi ocultado de suas
defesas?
Pizzolato foi acusado criminalmente por “não fiscalizar” o
contrato de publicidade entre o BB e a DNA no que se refere aos “bônus
de volume”, valor pago por veículos de divulgação para fidelizar
(premiar) agências de publicidade e que, no entender dos acusadores,
deveria ter sido devolvido ao Banco do Brasil.
Como depôs um alto executivo da Globo, não foi Pizzolato quem
criou o “bônus de volume”. Não era responsabilidade dele fiscalizar os
contratos do Banco do Brasil com as agências de publicidade. Esta
atribuição era de outro funcionário do BB e a conferência de pagamentos e
notas fiscais era feita por outra diretoria. O Banco do Brasil nunca
cobrou a devolução de “bônus de volume” de nenhuma das tantas agências
de publicidade contratadas, porque tal parcela nunca constou em cláusula
de contrato e nem poderia constar, por se tratar de uma oferta
facultativa (comissão, prêmio) oferecida às agências de publicidade por
parte de empresas prestadoras de serviço, depois que as negociações, em
que participavam os funcionários representantes de empresas públicas, já
estavam concluídas.
Por que Pizzolato foi responsabilizado criminalmente se a permissão para o pagamento de “bônus de volume” consta em lei (http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_Ato2007-2010/2010/Lei/L12232.htm
) e continua sendo uma relação exclusivamente privada entre as agências
de publicidade e fornecedores, da qual nenhum contratante (empresas
públicas) participam?
O julgamento da AP 470 foi injusto para todos. Para uns, provas e
documentos foram desconsiderados, indícios prevaleceram sobre as
provas, para outros, teorias “jurídicas” justificaram a falta de provas.
Leis constitucionais e convenções internacionais foram desrespeitadas, o
direito à defesa foi negado.
Pergunto: por quê?
Que interesses estão acima e são mais importantes para que o direito de defender a liberdade seja negado?
Para Pizzolato não existiu nenhum direito de recurso e revisão da decisão do julgamento.
Permanecer no Brasil significava sujeitar-se à uma única decisão, tomada por um único tribunal.
Significava sujeitar-se à prisão, à injustiça sem ter mais como e a quem recorrer.
Apesar da enorme tristeza e decepção com a forma como transcorreu
o julgamento, enfrentamos com as forças que nos restaram de anos de
agonia e lutamos com os meios que estavam ao nosso alcance para informar
e denunciar os erros e irregularidades do julgamento, para divulgar as
provas e documentos, que foram desconsiderados e ocultados, e que
comprovam que não existiu desvio de dinheiro, muito menos de dinheiro
público. Uma luta desigual diante do poder do Estado, diante do poder
judiciário, que julgou e condenou desrespeitando leis e direitos
fundamentais, e que continua massacrando e oprimindo pessoas que foram
julgadas e condenadas em um julgamento injusto.
A decisão de vir para a Itália foi difícil e dolorida, pois
significou o descrédito. Viemos buscando sobreviver à opressão, não
queríamos nos render à injustiça.
Estamos nas mãos de outro Estado. Dependentes de uma decisão que o
Estado italiano tomará a respeito do pedido de extradição feito pelo
Procurador Geral do Brasil.
Não tenho mais certezas de nada. Gostaria de acreditar que
justiça ainda possa existir em algum lugar e que uma decisão daqui
pudesse reverter todas as injustiças que foram feitas no Brasil.
Gostaria de acreditar que um novo julgamento possa ser feito e que este
seja justo.
Mas confesso, temo pelas decisões que são tomadas politicamente
que desprezam princípios e direitos e que desconsideram fatos e provas.
Andrea Haas
Blog do Zé Dirceu
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