Quero o meu país de volta !
Gilberto Bercovici, 39 anos,
paulistano do Bom Retiro, é um dos mais novos professores titulares da
Faculdade de Direito do Largo de São Francisco, de São Paulo.
Ele conquistou a titularidade há três anos com a tese “Direito Econômico do Petróleo e dos Recursos Naturais”, editado pela Quartier Latin, em que reconstrói “o processo de industrialização e de afirmação do controle estatal sobre o petróleo e os recursos minerais”.
Nesta segunda-feira, no Salão Nobre das Arcadas, diante de uma plateia lotada de estudantes e professores, ele tratou das “reformas de base” do Presidente João Goulart.
As reformas que, 50 anos atrás, em 1964, se exigiam e que levaram ao Golpe contra João Goulart, disse.
Com o Golpe se fortaleceram os mecanismos de extensão de odiosos privilégios, através de uma ideologia de desenho reacionário.
O objetivo das reformas, enunciadas no Comício da Central de março de 1964, era incorporar os setores populares, com nacionalismo e desenvolvimento.
A reforma Bancária – lembrou Bercovici – previa a canalização de recursos da poupança popular para a ampliação do credito para atividades rurais e o setor habitacional popular;
Jango pregava uma ampliação do papel do Banco do Brasil e o controle das remessas de lucros das empresas estrangeiras e do cambio;
A Reforma Tributária – lembrou Bercovici – aumentaria os impostos diretos sobre a o patrimônio e a renda e a redução do papel dos impostos indiretos;
Previa a estatização de bancos estrangeiros de depósitos, de seguradoras e as atividades ligadas à Eletrobras – recém criada – , o petróleo, as ferrovias e a mineração;
A Reforma Administrativa exigia um órgão central de planejamento articulado com agencias regionais, como a SUDENE;
A Reforma Eleitoral pregava o voto do analfabeto e dos sargentos; tomava providências contra a força do poder econômico sobre as eleições;
A Reforma Universitária – fim do vestibular, já que a universidade é um direito de todos; participação dos alunos e dos funcionários nas decisões das universidades;
A Reforma Urbana – facilitar as desapropriações para permitir mais acesso a imóveis urbanos; uma política de transportes coletivos;
E, de todas, a mais profunda, a raiz da crise institucional que levou ao Golpe, a Reforma Agrária.
Jango queria facilitar as desapropriações de terras improdutivas para criar um mercado interno e integrar o trabalhador rural ao processo de desenvolvimento.
Bercovici lembrou que a crise se centrou em torno dos artigos 141 e 147 da Constituição de 1946, que fixavam a “previa e justa indenização em dinheiro” de uma desapropriação.
Foi esse o grande tema político desde 1945, disse Bercovici.
Jango conseguiu, apesar das resistências ferozes, levar a legislação trabalhista ao trabalhador rural.
E criou a Supra, a Superintendência da Reforma Agrária, subordinada diretamente à Presidência.
(Antes de Bercovici, saudou-o o professor José Fernando Simão, que também lembrou “daqueles tempos” de 1964, quando pouco antes do Golpe, o Superintendente da Supra, João Pinheiro Neto, foi proibido de falar no Caco, o Centro Acadêmico, pelos militantes radicais do CCC – Comando de Caça aos Comunistas – que mantém fiéis, até hoje, na madrugada dos radicais paulistanos.)
No Comício da Central, Jango anunciou o Decreto 53.700: os imóveis maiores que 500 m² até 10km de ferrovias, rodovias e açudes estavam sujeitos a processos de desapropriação.
Jango ainda teve tempo de enviar uma última Mensagem ao Congresso em que pedia a mudança do texto constitucional para associar o conceito de “justiça social” à propriedade e pagar as desapropriações com títulos públicos.
A resposta da elite, dos meios de comunicação e dos Estados Unidos – disse Bercovici – foi o Golpe.
Foi a destruição do regime democrático e a instalação de uma política econômica que sobrevive até hoje: com a permanente acumulação primitiva do capital e a apropriação do dinheiro do Estado.
Bercovici invocou Caio Prado Junior, que disputou a cadeira de Economia Política, mas foi preterido por questões políticas e ideológicas.
Bercovici citou Oswald de Andrade, aluno da Faculdade: o Brasil (ainda) é o país da sobremesa: café, cana, cacau e castanha.
Citou Francisco de Oliveira.
E Celso Furtado várias vezes, quando, por exemplo, nos anos 90, disse: “em nenhum momento foi tão grande a distância entre o que somos e o que esperávamos ser”.
O Brasil precisa ir além desses limites – o de uma plataforma internacional de valorização financeira, disse.
“Há 50 anos sabemos quais as reformas necessárias”.
“Sem mobilização social não se resgata o projeto interrompido em 64”.
“O apartheid social é cada vez mais fundo.”
“Há 50 anos temos menos democracia”.
“Está na hora: devolvam o nosso país !”
Aplausos demorados !
Paulo Henrique Amorim
Conversa Afiada
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