qua, 05/02/2014 - 14:00
- Atualizado em 05/02/2014 - 14:59
Do Observatório da Imprensa
Por Mauro Marcelo de Lima e Silva
Resisti à tentação de comprar o livro Assassinato de Reputações: um crime de Estado,
de Romeu Tuma Júnior (Editora Topbooks 2013), mas acabei cedendo quando
fui informado que havia menção ao meu nome. Li-o em três dias e cheguei
à conclusão de que o título correto deveria ser “Como cuspir no prato
que comeu”.
São mais de 500 páginas confusas e com
imprecisões temporais, recheadas de acusações sem provas, chulices,
deboches e bravatas, nas quais o autor chega ao cúmulo de dizer, com
todas as letras, que seu pai, o Tumão, morreu de desgosto quando o autor
foi defenestrado da Secretaria Nacional de Justiça. Pasmem: ele diz
isso e acredita nisso.
Na sua visão obliterada, o autor foi
exonerado ou por perseguir Daniel Dantas, que diz ser amigo do governo,
ou por ter achado uma conta secreta nas Ilhas Cayman atribuída (mas
nunca comprovada) a José Dirceu, ou por ter “peitado” o governo ao
impedir a operação Satiagraha, ou por tudo isso junto. Para justificar
tirá-lo do cargo, fantasia que o governo determinou à Polícia Federal
que fizesse uma ultra-super-hiper-secreta investigação, interceptando
conversas telefônicas do amigo do amigo do amigo dele para chegar até a
sua pessoa e depois, por determinação de Lula, as gravações foram
seletivamente vazadas a determinados jornalistas e panfletadas na
internet, para assim “fritá-lo” perante a opinião pública e o governo,
enfim, demiti-lo. Não bastava aí uma canetada do presidente? Mas é nessa
chicana conspiratória que ele piamente acredita.
Centro das atenções
Encolerizado por ter sido tirado do
cargo – onde se considerava a figura central da atual República – ele
quer, neste cartapácio, limpar sua honra que julgou atingida por essa
investigação. Para isso, dispara sua metralhadora giratória contra o
ex-presidente Lula, contra os ex-ministros Márcio Thomaz Bastos e Tarso
Genro, contra a Polícia Federal e seu ex-diretor, contra o DHPP de São
Paulo, contra “os maquiavélicos do PT e da PF”, contra o PSDB, contra o
Judiciário, contra promotores e procuradores, contra delegados de
polícia, contra membros da Secretaria Nacional de Justiça, contra o
jornal O Estado de S. Paulo, além de outras autoridades e instituições.
Compara o governo a traficante de
favelas e brada ter atrapalhado o projeto de poder do PT e os interesses
“da banda”. Ofende, menospreza, ridiculariza e calunia o ex-presidente
Lula, apontando-o como informante do seu pai, Tumão. Ok. O papa
Francisco é ateu, sabiam?! O papel aceita tudo, até infâmias.
Você, leitor, nunca verá tamanho
egocentrismo nessa resma. Recheado de “eu fiz”, “eu sei”, “eu prendi e
mandei prender”, “foi por minha causa”, “eu avisei”, “eu sou o melhor”,
“eu tinha razão”, “foi minha idéia”, “eu propus”, “eu baixei a
criminalidade”, “eu mostrei quem eu sou”, “eu investiguei os mais
clamorosos casos no Brasil e no exterior”, “eu fui o cara certo na hora
certa”, “eu fiz e desfiz”, “eu sou competente”, “eu, experiente
policial”, “eu tenho capacidade técnica”, só faltando mesmo ele dizer
“esse cara sou eu”, tamanho ego, que não cabe nas 560 páginas.
Na defesa de sua reputação, que
considera mais valiosa que a sua própria vida, elogia excessivamente a
si e a seus atos querendo ser o centro de todas as atenções julgando
suas opiniões e interesses mais importantes que os pensamentos dos
outros. Que nome poderíamos dar a isso?...
Verdade falseada
Quando discorre sobre a morte do prefeito Celso Daniel, narra um verdadeiro filme, um thrillerhollywoodiano
com convicção baseada em achismos e especulações. Esquece que o crime
foi duas vezes investigado pela Polícia Civil – instituição
constitucionalmente investida no poder de investigação e capacitada para
isso – que concluiu tratar-se de crime comum; mas para o autor, se ele
tivesse investigado, teria esclarecido de forma diferente, pois tinha as
melhores pistas, os melhores indícios e as melhores provas.
Nessa
trama, menciona “eu acho”, “provavelmente ocorreu isso”, “tive a
sensação de que”, “acredito que”, “minha tese é”, “meu entendimento é”,
“avalio eu”, “penso que”, ou seja, sua teoria é recheada de suposições e
conjecturas diversas, chegando a afirmar que Celso Daniel morreu com
expressão de sofrimento no rosto. Ora, como ensinado em Medicina Legal,
cadáveres não têm expressão de sofrimento – algo talvez apregoado na
Idade Média – pois é sabido que, após a morte, toda a musculatura do
corpo relaxa, sendo impossível um cadáver estampar qualquer tipo de
sentimento.
No mais fino exemplo de jactância, ele
compara o Tumão, seu pai, ao Pelé da Polícia, talvez se enxergando como
um Neymar desconvocado pelo Felipão...
Entre as afirmações mais absurdas, está a
de que Lula foi “aluno de seu pai e aprendeu bem”, pois usou o “talento
investigativo adquirido para propósitos inconfessáveis”. Chama o
ex-presidente de vingativo e o acusa de criar um Estado policial e de
fabricar dossiês. Afirma ter sido um “fraldão” do governo, eleito alvo
pelo Palácio, precisando ser alvejado, transposto e abatido. Quando
cheguei ao capítulo em que diz que ajudou seu pai a esclarecer o caso
Joseph Mengele, confesso que pulei para o próximo, mas quase desisti de
ler o resto, quando, na página 318, ele afirma ter ensinado ao
jornalista Boris Casoy o bordão “Isso é uma vergonha!” Quanta pretensão.
Escrito a quatro mãos e quatro pés, é
nítida a participação do coautor, digamos, no floreamento dos
parágrafos, principalmente nas menções de leitmotif, “Razão Instrumental de Max Weber”, “leviatã de Thomas Hobbes”, “Politiburo”, “Soljenitsin”, “devir da filosofia”, “endoxa de
Aristóteles” dentre outras. Destila ainda seu ódio à ferramenta de
pesquisa do Google, chamado por ele de “Tribunal Superior do Google”.
Será que ele sabe o que é e como funciona essa ferramenta de pesquisa,
que faz a indexação de mais de 40 trilhões de páginas na web?
Talvez a única coisa correta nesse
emaranhado de papéis seja o título, por meio do qual o autor – ou
autores – tentam assassinar a reputação do ex-presidente Lula e demais
autoridades e instituições que, pela sua ótica deturpada, tramaram pela
sua exoneração.
A propósito, sou citado no livro em
algumas passagens onde o autor falseia a verdade, inclusive atribuindo a
si a minha indicação para fazer um curso fora do país. Ele mente. Nunca
houve tal interferência. Minha conclusão? Ele – ou eles – vão precisar
contratar bons advogados.
***
Mauro Marcelo de Lima e Silva é
delegado de polícia em São Paulo, foi diretor-geral da Agência
Brasileira de Inteligência (Abin) e é ex-diretor de Inteligência da
Polícia Civil de São Paulo
Blog do Luis Nassif

Nenhum comentário:
Postar um comentário